Gonçalo Anes do Vinhal - Todas as cantigas

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Cancioneiros:

B 706, V 307
(C 706)

Descrição:

Cantiga de Amigo

Refrão

Que leda que hoj'eu sejo
porque m'enviou dizer
ca nom vem, com gram desejo,
coitado, d'u foi viver,
5       ai dona, lo meu amigo
       senom por falar comigo;
       nem vem por al meu amigo
       senom por falar comigo.
  
Enviou-mi seu mandado
10dizer (qual eu creo bem)
ca nom vem por al, coitado,
de tam longi com'el vem,
       ai dona, lo meu amigo
       senom por falar comigo;
15       nem vem por al meu amigo
       senom por falar comigo.
  
Nulha coita nom havia
(tanto creede per mi)
outra, nem el nom vĩia
20- mais por que verria aqui
       ai dona, lo meu amigo
       senom por falar comigo?
       Nem vem por al meu amigo
       senom por falar comigo.


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Cancioneiros:

B 707, V 308

Descrição:

Cantiga de Amigo

Mestria

Par Deus, amiga, quant'eu receei
do meu amigo, todo m'hoj'avém:
ca receei de mi querer gram bem,
como m'el quer, polo que vos direi:
5eu, pois fui nada, nunca houv'amor
nem quig'amig'em tal razom haver;
e el filhou-m'à força por senhor,
a meu pesar, e morrerá por en.
  
E nom se pod'alongar, eu o sei,
10dos que migo falam, nem encobrir,
que lhis nom fale em al, pera oír
em mi falar; e já me lhi ensanhei
por que o fez, e nunca el maior
pesar oíu, mais nom pod'al fazer;
15mais, esso pouco que el vivo for,
farei-vo-lh'eu o que m'el faz sentir.
  
E sabe Deus o pesar que end'hei
- mais nom se pode de mui gram pesar
guardar, seno[m] que[m] x'en del quer guardar;
20mais sempre m'eu d'atal preito guardei
o mais que pud'e nom houv'i sabor;
mais el me mata porque quer morrer
por mi, de pram; e, do que m'é peior,
nom pod'en já o coraçom quitar.
  
25E há tam gram coita de me veer
que lh'haverám este preit'a saber.


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Cancioneiros:

B 708, V 309

Descrição:

Cantiga de Amigo

Refrão

Quand'eu sobi nas torres sôbe'lo mar
e vi onde soía a bafordar
o meu amig', amigas, tam gram pesar
houv'eu entom por ele no coraçom,
5quand'eu vi estes outros per i andar,
       que a morrer houvera por el entom.
  
Quand'eu catei das torres [a] derredor
e nom vi meu amig[o] e meu senhor,
que hoje por mi vive tam sem sabor,
10houv'eu entom tal coita no coraçom,
quando me nembrei del e do seu amor,
       que a morrer houvera por el entom.
  
Quand'eu vi esta cinta que m'el leixou
chorando com gram coita, e me nembrou
15a corda da camisa que m'el filhou,
houv'i por el tal coita no coraçom,
pois me nembra, fremosa, u m'enmentou,
       que a morrer houvera por el entom.
  
Nunca molher tal coita houv'a sofrer
20com'eu, quando me nembra o gram prazer
que lh'eu fiz, u mi a cinta vẽo cinger,
[e] creceu-mi tal coita no coraçom,
quand'eu sobi nas torres polo veer,
       que a morrer houvera por el entom.


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Cancioneiros:

B 709, V 310

Descrição:

Cantiga de Amigo

Mestria

O meu amigo, que me quer gram bem,
nunca de mim pode haver senom mal,
e morrerá, u nom pode haver al,
e a mi praz, amiga, de[l] morrer
5por aquesto que vos quero dizer:
leix'a coidar eno mal que lhi en vem
e coida sempr'e[m] meu bom parecer.
  
E a tal hom', amigas, que farei?
Que assi morr'e assi quer morrer
10por aquel bem que nunca pode haver
nem haverá, ca já se lho partiu,
porque mi assi de mandado saiu:
leix'a coidar eno mal que lhi eu dei
e coida em mim, fremosa que m'el viu.
  
15E amores tantas coitas lhi dam
por mim que já [d]a morte mui preto está,
e sei eu del que cedo morrerá,
e, se morrer, nom me faz i pesar,
ca se nom soube da morte guardar:
20leix'a coidar eno seu grande afã
e coida sempre em meu bom semelhar.


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Cancioneiros:

B 710, V 311

Descrição:

Cantiga de Amigo

Refrão

Amiga, por Deus, vos venh'ora rogar
que mi nom querades fazer perdoar
ao meu amigo que mi fez pesar,
       e nom mi o roguedes, ca o nom farei
5atá que el venha ante mi chorar;
       porque s'assanhou, nom lhi perdoarei.
  
Por quanto sabedes que mi quer servir
mais que outra rem, quero-lho e[u] gracir,
mais eu nom lho quero por en consentir,
10       e nom mi o roguedes, ca o nom farei
atá que el venha mercêe pedir;
       porque s'assanhou, nom lhi perdoarei.
  
Gram pesar lhi farei, nom vistes maior,
porque nom guardou mim nem o meu amor
15e em filhar sanha houve gram sabor;
       e nom mi o roguedes, ca o nom farei
atá que el sença ira de senhor;
       por que s'assanhou, nom lhi perdoarei.
  
E, porque sei bem que nom pode viver
20u el nom poder os meus olhos veer,
farei-lh'eu que veja qual é meu poder;
       e nom mi o roguedes, ca o nom farei
atá que eu veja que já quer morrer;
       por que s'assanhou, nom lhi perdoarei.
  
25Mais, pois que el todo aquesto fezer,
farei eu por vós quanto fazer hoer,
mais ante, por rem, nom lhi perdoarei.


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Cancioneiros:

B 711, V 312

Descrição:

Cantiga de Amigo

Refrão

O meu amigo queixa-se de mi,
amiga, porque lhi nom faço bem,
e diz que perdeu já por mi o sem
e que o poss'eu desensandecer;
5e nom sei eu se el diz verdad'i,
       mais nom quer'eu por el meu mal fazer.
  
Queixa-s'el muito porque lhi nom fiz,
amiga, bem, e diz que há pavor
de m'estar mal, se por mim morto for,
10poilo poss'eu de morte guarecer;
e nom sei eu se el verdade diz,
       mais nom quer'eu por el meu mal fazer.


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Cancioneiros:

B 712, V 313

Descrição:

Cantiga de Amigo

Refrão

Meu amig'é daquend'ido,
amiga, mui meu amigo;
dizem-mi, bem vo-lo digo,
que é já de mim partido
5       - mais que preito tam guisado!
  
Pero vistes que chorava
quando se de mim partia,
disserom-mi que morria
por outra, a que trobava
10       - mais que preito tam guisado!
  
O que sei de pram que morre
por mim, o que nom faz torto,
dizem-m'ora que é morto
'si, se lh'outra nom acorre
15       - mais que preito tam guisado!


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Cancioneiros:

B 1390, V 999
(C 1390)

Descrição:

Cantiga de Escárnio e maldizer

Refrão

Rubrica:

Esta cantiga fez Dom Gonçal'Eanes do Vinhal a Dom Anrique em nome da rein[h]a Dona Joana, sa madrasta, porque diziam que era seu entendedor, quando lidou em Mouron com dom Rodrigo Afonso que tragia o poder del-rei.

Amigas, eu oí dizer
que lidarom os de Mouron
com aquestes d'el-rei e nom
poss'end'a verdade saber:
5       se é viv'o meu amigo,
       que troux'a mia touca sigo.
  
Se me mal nom estevesse
ou nom fosse por enfinta
daria esta mia cinta
10a quem m'as novas dissesse:
       se é viv'o meu amigo,
       que troux'a mia touca sigo.


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Cancioneiros:

V 1000

Descrição:

Cantiga de Escárnio e maldizer

Mestria

Pero Fernándiz, home de barnage,
que me nom quer de noite guardar o mu,
se acá del travarem por peage,
como nom trage dinheiro nẽum,
5nom lhi vaam [e]na capa travar
nen'o assanhem; ca, se s'assanhar,
pagar-lhis-á el peage de cu.
  
Desses mi ham i d'andar em mia companha,
ca nunca home tam sanhudo vi.
10Eu oí já que um home d'Espanha,
sobre peagem, matarom aqui;
e com'é home de gram coraçom,
se lhi peagem pedir o Gastom,
peage de cuu pagará i.
  
15Ca el vem quebrando com grand'ardura
com este mandado que oíu já,
e ferve-lh'o sangu'e fará loucura,
que nulha rem i nom esguardará:
se lhi peagem forem demandar
20os porteiros do Gastom de Bear,
bevam a peagem que lhis el dará.


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Cancioneiros:

V 1001

Descrição:

Cantiga de Escárnio e maldizer

Mestria

Em gram coita andáramos com el-rei
per esta terra u com el andamos,
se nom fosse que quis Deus que achamos
[taes] infanções quais vos eu direi:
5que entram nosc'em dõas cada dia
e jantam e ceam a gram perfia
e burlam corte, cada u chegamos.
  
Taes barvas [d']infanções nom sei,
e todos nos deles maravilhamos;
10e, pero os infanções chamamos,
vedes, amigos, tanto vos direi:
eu por infanções non'os terria,
mais som-x', a graça de Santa Maria
e Sam Juïão, com que albergamos.
  
15Sempre Deus por sa vida rogarei,
e dereit'é que todo'lo façamos,
pois deles todos tant'amor filhamos
em sa terra, quanto vos eu direi:
qualquer deles nos fez quanto devia,
20mais tant'é grand[e] a nossa folia,
que nulhas graças lhis ende nom damos.


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Cancioneiros:

V 1002

Descrição:

Cantiga de Escárnio e maldizer

Mestria

Nom levava nem dinheiro
ogan', u houvi passar
per Campos e quix pousar
em casa d'um cavaleiro
5que se tem por infançom;
e soltou-m'um cam entom,
e mordeu-mi o seendeiro.
  
Por meu mal, então, senlheiro
houvi ali a chegar
10- que nom chegass'! - a logar
u [er'] atal fareleiro;
ca el, se fosse santom,
nom fora ao vergalhom
roxo do meu seendeiro.
  
15Nom vistes peior parado
albergue do que achei
entom, quand'a el cheguei;
nem vistes mais estirado
home ca fui d'um mastim;
20e fez-mi tal o rocim
que semelhava lobado.
  
Nom fui eu bem acordado,
poilo da porta catei
dentro, porque o chamei:
25pôs-mi o gram cam enriçado,
que nunc'a [morder] fez fim,
atá que fez[o] em mim
qual fez no rocim lobado.


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Cancioneiros:

V 1003

Descrição:

Cantiga de Escárnio e maldizer

Refrão

Ũa dona foi de pram
demandar casas e pam
da órdim de Sam Joam,
       com mínguas que havia;
5e digo-vos que lhas dam
       quaes ela queria.
  
Das casas houve sabor,
e foi tal preitejador:
que foss'ende jazedor,
10       com mínguas que havia;
e dam-lhas por seu amor,
       quaes ela queria.
  
Pediu-as a preito tal
d'i jazer [e] nom fez al,
15ca xi lazerava mal,
       com mínguas que havia;
e dam-lhas do Hespital
       quaes ela queria.
  
A dona, de coraçom,
20pediu as casas entom
e mostrou esta razom:
       com mínguas que havia;
e dam-mi-lhas da missom
       quaes ela queria.


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Cancioneiros:

V 1004

Descrição:

Cantiga de Escárnio e maldizer

Refrão

Pero d'Ambroa, sempr'oí cantar
que nunca vós andastes sobr'o mar
que med'houvéssedes, nulha sazom;
e que havedes tam gram coraçom,
5que tanto dades que bom tempo faça
bem como mao nem como bõaça
       nem dades rem por tormenta do mar.
  
E des i, já pola nave quebrar,
aqui nom dades vós rem polo mar
10come os outros que i vam entom;
por en têm que tamanho perdom
nom havedes come os que na frota
vam, e se deitam, com medo, na sota,
       sol que entendem tormenta do mar.
  
15E nunca oímos doutr'home falar
que nom temesse mal tempo do mar;
e por en cuidam quantos aqui som
que vossa madre com algum caçom
vos fez, sem falha, ou com lobaganto;
20e todos esto cuidamos, por quanto
       nom dades rem por tormenta do mar.


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Cancioneiros:

V 1005

Descrição:

Cantiga de Escárnio e maldizer

Mestria

Abadessa, Nostro Senhor
vos gradesca, se lhi prouguer,
porque vos nembrastes de mi,
a sazom que m'era mester:
5u cheguei a vosso logar,
que tam bem mandastes pensar
i do vosso comendador!
  
Ca morto fora, mia senhor,
de gram lazeira, sei de pram;
10mais nembrastes-vos bem de mim,
e todos me preguntarám
se vos saberei eu servir
quam bem o soubestes guarnir
de quant'el havia sabor.
  
15Hajades por en galardom
de Deus, senhor, se a El praz,
porque vos nembrastes de mim,
u m'era mui mester assaz;
o comendador [i] chegou
20e se el bem nom albergou,
nom foi por vosso coraçom.
  
De[us] vos dê por en galardom
por mi, que eu nom poderei,
porque vos nembrastes de mim,
25quand'a vosso logar cheguei;
ca já d'amor e de prazer
nom podestes vós mais fazer
ao comendador entom.
  
Cento dobr'hajades por en
30por mi, que lhi nom minguou rem
de quant'havia na maison.


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Cancioneiros:

V 1006

Descrição:

Cantiga de Escárnio e maldizer

Mestria

Quantos mal ham, se quere[m] guarecer,
se x'agora per eles nom ficar,
venham este maestre bem pagar,
e Deu'los pode mui bem guarecer;
5ca nunca tam mal doent'home achou
nem tam perdudo, des que el chegou,
se lh'algo deu, que nom fosse catar.
  
Quiçá non'o pod'assi guarecer,
que este poder nom lho quis Deus dar,
10[j]á que nom sabe que possa saar
o doente, meos de guarecer;
mais preguntar-lh'-á de que enfermou,
come maestr'; e, se o bem pagou,
nom leix'a guarir, polo el preguntar.
  
15Ca vos nom pod'el assi guarecer
o doente, meos de terminhar;
mais, pois esto for, se quis[er] filhar
seu conselho, pode bem guarecer:
se se bem guardar, poilo el catou,
20bem guar[i]rá do mal, ca terminhou;
e diz o maestre: - Se lhi nom tornar.
  
Ca o doente, de que el pensou
por um gram tempo, se mui bem saou
[e] se mal nom houver, [já] pod'andar.


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Cancioneiros:

V 1007

Descrição:

Cantiga de Escárnio e maldizer

Mestria

Maestre, tôdolos vossos cantares
já quê filham sempre d'um a razom
e outrossi ar filham a mi som;
e nom seguides [i] outros milhares,
5senom aquestes de Cornoalha;
mais este[s] seguides bem, sem falha,
e, ai trobador, per tantos logares.
  
D'amor e d'escarnh', em todas razões,
os seguides sempre; [e] bem provado
10eu o sei que [os] havedes filhado;
ca, se ar seguíssedes outros sões,
nom trobaríades peior por en;
pero seguides os nossos mui bem
e já ogan'i fezestes tenções,
  
15em razom d'um escarnho que filhastes
e nom [no-lo] metestes ascondudo;
ca já quê era de Pedr[o] Agudo
essa razom em que vós i trobastes;
mais assi a soubestes vós deitar
20antr'ũas rimas e entravincar,
que toda vo-la na vossa tornastes.
  
Par maestria soubestes saber
da razom alhea vossa fazer
e seguir sões, a que vos deitastes.
  
25E gram careza fezestes, de pram;
mais los trobadores travar-vos-am
já quê nos tempos, que bem nom guardastes.


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Cancioneiros:

V 1008

Descrição:

Cantiga de Escárnio e maldizer

Refrão

Rubrica:

Esta cantiga fez Dom Gonçalo Anes do Vinhal ao infante Dom Anrique porque diziam que era entendedor da rainha Dona Joana, sa madrasta, e esto foi quando o el-rei Dom Afons'o pôs fora da terra.

Sei eu, donas, que deitad'é d'aqui
do reino já meu amig'e nom sei
como lhi vai, mais quer'ir a el-rei,
chorar-lh'-ei muito e direi-lh'assi:
5       por Deus, senhor, que vos tam bom rei fez,
       perdoad'a meu amig'esta vez.
  
Porque o amo tam de coraçom,
como nunc'amou amigo molher,
irei ali u el-rei estever,
10chorando dos olhos, direi-lh'entom:
       por Deus, senhor, que vos tam bom rei fez,
       perdoad'a meu amig'esta vez.
  
E pois que me nom val rogar a Deus,
nem os santos nom me querem oir,
15irei a [e]l-rei mercêe pedir
e direi chorando dos olhos meus:
       por Deus, senhor, que vos tam bom rei fez,
       perdoad'a meu amig'esta vez.
  
E por Deus, que vos deu honra e [prez],
20[p]erdoade a dom Anris esta vez.