Pedro, conde de Barcelos - Todas as cantigas

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Cancioneiros:

B 608, V 210
(C 608)

Descrição:

Cantiga de Amor

Mestria

Que muito bem me fez Nostro Senhor
aquel dia em que m'El foi mostrar
ũa dona que fez melhor falar
de quantas fez e parecer melhor.
5E o dia em que mi a fez veer,
El quis assi que foss'em seu poder:
u me podia nunca mais bem dar.
  
Nom já em al, desto som sabedor,
se m'algum tempo quisera leixar
10ela servir e nõn'a ir matar;
mais, pois la matou, serei sofredor
sempre de coita enquant'eu viver;
ca, sol u cuido no seu parecer,
hei morte mais doutra rem desejar.
  
15E pois eu nunca doutra rem sabor
poss'atender pera me conortar,
mui bem posso com verdade jurar,
polos que dizem que ham mal d'amor,
que com verdad'o nom podem dizer:
20porque cuidand'i tomam gram prazer,
o que a mim nunca pode chegar.
  
Nem [e]sperança nunca poss'haver
com'outros ham, d'algum bem atender,
pois eu meu bem nunca posso cobrar.


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Cancioneiros:

B 609, V 211

Descrição:

Cantiga de Género incerto

Refrão

Nom quer'a Deus por mia morte rogar,
nem por mia vida, ca nom mi há mester:
[e p]oi[s] aquel que o rogar quiser,
por si o rog'e leix'a mim passar
5assi meu tempo, ca mentr'eu durar,
       nunca me pode bem nem mal fazer,
       nem ond'eu haja pesar nem prazer.
  
E já m'El tanto mal fez que nom sei
rem u me possa cobrar diss'; e nom
10sei, nem sab'outrem, nem sab'El razom
por que me faça mais mal de quant'hei.
E pois eu já per tod'esto passei,
       nunca me pode bem nem mal fazer,
       nem ond'eu haja pesar nem prazer.
  
15E bem nem mal nunca m'El já fará,
pois m'El pesar com tam gram coita deu,
que nunca prazer no coraçom meu
me pode dar, ca já nom poderá.
E pois por mim tod'esto passou já,
20       nunca me pode bem nem mal fazer
       nem ond'eu haja pesar nem prazer.


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Cancioneiros:

B 610, V 212

Descrição:

Cantiga de Amor

Mestria

Tal sazom foi em que eu já perdi
quanto bem houv'e nom cuidei haver
que par podesse a outro bem seer;
mais ora já mi guisou Deus assi
5que, u perdi tam gram bem de senhor,
cobrei d'atender outro mui melhor
em todo bem, de quantos outros vi.
  
E quand'em outra sazom perdi eu
aquel gram bem, log'i cu[i]dei que nom
10perdesse coita do meu coraçom;
mais agora Deus tal senhor mi deu
que de bom prez e sem e parecer
é mui melhor de quantas quis fazer;
e quis log'i que foss'em poder seu.
  
15Quand'eu perdi aquela que amar
sabia mais que mim nem outra rem,
nom cuidava d'atender outro bem;
mais prougue a Deus de mi o assi guisar
que, u perdi aquela que amei,
20em outra senhor mui melhor cobrei,
que me faz Deus servir e desejar.
  
[Foi] ena sazom em que m'eu queixei
a Deus, u perdi quanto desejei;
oimais poss'eu com razom Deus loar
  
25porque me pôs em tal cobro que hei
por senhor a melhor de quantas sei,
em que pôs tanto bem que nom há par.


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Cancioneiros:

B 610bis, V 213

Descrição:

Cantiga de Amor

Refrão

Nom me poss'eu de morte defender,
pois vejo d'Amor que me quer matar
por ũa dona; mais, pois m'eu guardar
nom posso já de por dona morrer,
5       catarei já das donas a melhor
       por que, pois mi há de matar, mat'Amor.
  
E pois Amor em tal guisa me tem
em seu poder que defensa nom hei
de parar morte; e pois eu certo sei
10que por dona a morrer me convém,
       catarei já das donas a melhor
       por que, pois mi há de matar, mat'Amor.
  
E bem vej'eu, per qual poder em mi
Amor tomou, que nom hei defensom
15d'escusar mort'; e pois eu tal razom
hei por dona de prender mort'assi,
       catarei já das donas a melhor
       por que, pois mi há de matar, mat'Amor.


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Cancioneiros:

V 1037

Descrição:

Cantiga de Escárnio e maldizer

Mestria

Rubrica:

Esta cantiga foi feita a um 'scudeiro que andou aalem-mar e dizia que fôra aló mouro

Alvar Rodríguez, monteiro maior,
sabe bem que lhi há 'l-rei desamor,
porque lhe dizem que é mal feitor
na sa terra; éste cousa certa
5ca diz que se quer ir; e, per u for,
levará cabeça descoberta.
  
El entende que faz a 'l-rei pesar,
se lhi na terr[a] aqui mais morar;
por en quer ir sa guarida buscar,
10com gram despeit', em terra deserta;
e diz que pode, per u for, levar
sempr'a cabeça descoberta.


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Cancioneiros:

V 1038

Descrição:

Cantiga de Escárnio e maldizer

Mestria

Rubrica:

Esta cantiga foi feita a Miguel Vivas, que foi enleito de Viseu, e a Gómiz Lourenço de Beja.

Os privados, que d'el-rei ham,
por mal de muitos, gram poder,
seu saber é juntar haver;
e non'o comem nen'o dam,
5mais posfaçam de quem o dá;
e de quanto no reino há,
se compre tod'a seu talam.
  
Os que trabalham de servir
el-rei, por tirar galardom,
10se do seu band'ou seus [nom] som,
logo punham de lho partir.
O que d'el-rei quiser tirar
bem sem servir, se lhis peitar,
havê-lo-á, u lho pedir.
  
15Se[u] sem ou seu saber é tal
qual vos cá já 'gora contei;
e fazem al, que vos direi,
que é mui peior que o al:
u s'el-rei mov'a fazer bem,
20com'é razom, pesa-lhes en
e razoam o bem por mal.
  
E u compre conselh'ou sem
a seu senhor, nom sabem rem
se nom em todo desigual.


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Cancioneiros:

V 1039

Descrição:

Cantiga de Escárnio e maldizer

Mestria

Rubrica:

Esta cantiga de cima foi feita a um Meestre d'ordim de cavalaria, porque havia sa barragãã e fazia seus [filhos] em ela ante que fosse Meestre; e depois havia ũa tenda em Lisboa, em que tragia mui grande haver a gaanho; e aquela sa barregãã, quando lhi algũus dinheiros vinham da terra da Ordem e que Meestre i nom era, enviava-os aaquela tenda, pera gaanharem com eles pera seus filhos; e depois tirarom ende os dinheiros da tenda e derom-nos em outras praças pera gaanharem com eles, e ficou a tenda desfeita; e nom leixou por en o Meestre depois a [barre]gãã.

Um cavaleiro havia
ũa tenda mui fremosa
que, cada que nela siia,
assaz lh'era saborosa;
5e um dia, pela sesta,
u estava bem armada
de cada part', espeçada
foi toda pela Meestra.
  
Na tenda nom ficou pano
10nem cordas nem guarnimento
que toda nom foss'a dano,
pelo apoderamento
da Maestra, que, tirando
foi tanto pelo esteo,
15que por esto, com'eu creo,
se foi toda [e]speçando.
  
A corda foi em pedaços
e o mais do al perdudo;
mais ficarom-lhi dous maços
20[a] par do esteo merjudo,
e a Maestra metuda
na grand'estaca, jazendo;
e foi-s'a tenda perdendo
assi como é perduda.
  
25Per míngua de bom meestre
pereceo tod'a tenda;
que nunca se dela preste
pera dom nem pera venda,
ca leixou, com mal recado,
30a Meestra tirar tanto
da tenda, que, já enquanto
viva, seerá posfaçado.


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Cancioneiros:

V 1040

Descrição:

Cantiga de Escárnio e maldizer

Mestria

Rubrica:

Esta cantiga de cima foi feita a ũa dona d'ordim, que chamavam Moor Martiins, por sobrenome Camela, e a um homem que havia nome Joam Martins, por sobrenome Bodalho, e era tabeliom de Braga.

Natura das animalhas
que som d'ũa semelhança
é de fazerem criança,
mais des que som fodimalhas.
5Vej'ora estranho talho
qual nunca cuidei que visse:
que emprenhass'e parisse
a camela do bodalho.
  
As que som d'ũa natura
10juntam-s'a certas sazões
e fazem sas criações;
mais vejo já criatura
ond'eu nom cuidei vêe-la;
e por en me maravilho
15de bodalho fazer filho,
per natura, na camela.
  
As que som, per natureza,
corpos d'ũa parecença
juntam-s'e fazem nacença
20- esto é sa dereiteza;
mais nom coidei em mia vida
que camela se juntasse
com bodalh'[e] emprenhasse
[e] demais ser del parida.


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Cancioneiros:

B 1431, V 1041

Descrição:

Cantiga de Escárnio e Maldizer

Mestria

Rubrica:

Esta cantiga foi feita a estes cavaleiros que aqui conta, que prometerom um alão e sabujos, segundo aqui é escrito; e, pero que lhos enviarom pedir, nom os quiserom dar; e o Conde fez-lhis por en esta cantiga.

Mandei pedir noutro dia
um alão a Pai Varela
pera ũa mia cadela,
e diss'el que mi o daria;
5e per como mi o el dá,
eu bem cuido que verrá
quand'aqui veer Messia.
  
Outrossi Pero Marinho
dous sabujos mi há mandado
10lá da terra de Condado;
e disse-m'um seu mininho
que bem certo foss'eu disto:
pois veer o Antre-Cristo,
verrá com el per caminho.
  
15Eu nom foi homem de siso,
u mi as promessas faziam,
duvidando ca verriam;
e entolha-xe-me riso
de que o foi duvidando:
20pois já sei que verram quando
for Judas no Paraíso.


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Cancioneiros:

B 1432, V 1042

Descrição:

Cantiga de Escárnio e Maldizer

Mestria

Rubrica:

Esta cantiga suso scrita, que se começa "Martim Vaasquez noutro dia", fez o Conde a um jograr que havia nome Martim Vaasquez e preçava-se que sabia d'estrelosia e nom sabia en nada; e colheu aí vaidade na mão ca havia d'haver igreja de mil libras ou de mil e quinhentas; e mandou fazer corõa e rossou a barva e foi-se aalém Doiro e nom houve nemigalha; e o Conde fez-lhi esta cantiga.

Martim Vásquez, noutro dia,
u estava em Lixboa,
mandou fazer gram coroa:
ca viu per estrologia
5que haveria igreja
grande, qual a el deseja,
de mil libras em valia.
  
E diz que viu na estrela,
pero que a nom demande,
10d'haver igreja mui grande,
ca nom igreja mesela;
ca da pequena nom cura,
ca lhe seria loucura
del haver a curar dela.
  
15E diz que viu [e]na lũa
que haveria, sem contenda,
igreja de mui gram renda,
ca nom pequena e nũa;
e porque lhe vai tardando,
20el vai-se muito agravando,
porque lhe nom dam nẽũa.
  
El acercou na espera
qual planeta tem por certa,
que lh'outorga, sem referta
25[...]