Airas Nunes


O meu senhor o bispo, na Redondela, um dia,
de noit'e com gram medo, de desonra fogia;
 eu, indo-mi aguisando por ir com el mia via,
achei ũa companha assaz brava e crua
5que me decerom logo de cima da mia mua:
azêmela e cama levarom-na por sua.
  
 E des que eu nacera nunca entrara em lide;
 [e], pero que já fora cabo Valedolide,
 [per] estorvar doas mi as fezerom em Molide;
 10e ali me lançarom a mim a falcatrua:
  a maos 'scudeiros [em] gage o Churruchão [assua],
 e er dá-a aos sergentes, ca som gente befua.
  
  Ali me desbulharom do tabardo e dos panos
e nom houverom vergonha dos meus cabelos canos,
  15nem me derom por ende grã[a]s nem adianos:
leixarom-me qual fui nado no meio da rua;
  e um rapaz tinhoso, que andav'a par d'estua,
  chamava-mi "mia nana, velha fududancua!"



 ----- Aumentar letra ----- Diminuir letra

Nota geral:

Nesta cantiga, cujas circunstâncias históricas exatas nos escapam, Airas Nunes relata o que Lapa chama "uma cena de violência tipicamente medieval"1;. A dita cena, um ataque noturno a uma companhia em fuga, ter-se-á passado, como supõe José António Souto Cabo2, com o bispo eleito de Lugo, D. Fernando Peres de Páramo (1286-1294), de cujo séquito Airas Nunes fez parte. Por essa altura o trovador teria por volta de 56 anos, o que se coaduna com os seus referidos cabelos canos. Fosse qual fosse o bispo e os motivos da sua fuga, o certo é que a vítima parece ter sido o próprio trovador, a acreditarmos no que relata a cantiga, dita na primeira pessoa.
Não deixa de ser um pouco estranha esta confissão das sevícias e insultos sofridos. Em 1284, como indica Resende de Oliveira3, D. Sancho IV de Castela manda entregar a Airas Nunes uma soma de dinheiro para comprar um cavalo e vestuário, o que poderia relacionar-se com a cena aqui descrita. Mas, atendendo à data desta doação, e sendo a identidade do bispo a que Souto Cabo sugere, ela seria anterior à cena aqui descrita. Acrescente-se que a lição dos códices está bastante danificada nas duas últimas estrofes, o que não facilita as coisas.

Referências

1 Lapa, Manuel Rodrigues (1970), Cantigas d´Escarnho e de Maldizer dos Cancioneiros Medievais Galego-Portugueses, 2ª Edição, Vigo, Editorial Galaxia.

2 Souto Cabo, José António (2023), “Ca o vej’eu assaz om’ordinhado. Airas Nunes no “coro” clerical trovadoresco”, en Madrygal. Revista de Estudios Gallegos 26.
      Aceder à página Web


3 Oliveira, António Resende de (1994), Depois do espectáculo trovadoresco. A estrutura dos cancioneiros peninsulares e as recolhas dos séculos XIII e XIV, Lisboa, Edições Colibri.



Nota geral


Descrição

Escárnio e Maldizer
Mestria
Cobras singulares (rima b uníssona)
(Saber mais)


Fontes manuscritas

B 885, V 468

Cancioneiro da Biblioteca Nacional - B 885

Cancioneiro da Vaticana - V 468


Versões musicais

Originais

Desconhecidas

Contrafactum

Desconhecidas

Composição/Recriação moderna

Desconhecidas