Paio Gomes Charinho


Disserom-m'hoj', ai amiga, que nom
é meu amig'almirante do mar,
e meu coraçom já pode folgar
e dormir já, e, por esta razom,
5       o que do mar meu amigo sacou
        saque-o Deus de coitas, que a[r] jogou
  
mui bem a mim, ca já nom andarei
triste por vento que veja fazer,
nem por tormenta nom hei de perder
10o sono, amiga; mais, se foi el-rei
       o que do mar meu amigo sacou,
       saque-o Deus de coitas, que a[r] jogou
  
mui bem a mim, ca, já cada que vir
algum home de fronteira chegar,
15nom hei medo que mi diga pesar;
mais, porque m'el fez bem sem lho pedir,
       o que do mar meu amigo sacou
       saque-o Deus de coitas, que a[r] jogou.



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Nota geral:

Por interposta voz feminina, Paio Gomes Charinho comenta aqui a sua destituição do cargo de almirante-mor de Castela e Leão, que terá ocorrido por volta de 1286/1287.
No caso, a donzela exprime o seu alivio por se ver livre das constantes preocupações que não a deixavam sossegar nem dormir: o vento, as tempestades, ou mesmo as más notícias que alguém, vindo dos campos de batalha da reconquista, lhe poderia trazer (como estar ele ferido ou morto). E exprime então os votos, no refrão, que Deus afaste dos sofrimentos aquele que afastou o seu amigo do mar (manifestamente, o rei).
O marcado caráter (auto-)biográfico desta cantiga (e que nos permite mesmo datá-la com alguma segurança, como dissemos) constitui uma originalidade manifesta. Não sendo esta a única composição em que Charinho faz este tipo de referências (eles surgem, por exemplo, na sua mais conhecida cantiga de amigo), a situação aqui referida, assume, pelo sua dimensão política, um estatuto particular. Na verdade, se as palavras da donzela parecem, à primeira vista, elogiosas para o rei (nunca explicitamente nomeado, note-se), elas são também suficientemente ambíguas para não suscitar dúvidas sobre a possibilidade de serem interpretadas em chave irónica. Se bem que, historicamente, desconheçamos as razões para a saída de Charinho do seu cargo de almirante, estamos, pois, perante uma composição que, muito embora a tenhamos que classificar como cantiga de amigo, poderia eventualmente ter, para os seus ouvintes contemporâneos, um sentido ironicamente crítico. Esta mesma ambiguidade face ao rei é, de resto, muito visível numa outra cantiga do trovador.



Nota geral


Descrição

Cantiga de Amigo
Refrão
Cobras singulares
Ateúda sem finda
(Saber mais)


Fontes manuscritas

B 838, V 424
(C 838)

Cancioneiro da Biblioteca Nacional - B 838

Cancioneiro da Vaticana - V 424


Versões musicais

Originais

Desconhecidas

Contrafactum

Desconhecidas

Composição/Recriação moderna

Desconhecidas