D. Dinis


 Quisera vosco falar de grado,
ai meu amig'e meu namorado,
       mais nom ous'hoj'eu convosc'a falar,
 ca hei mui gram medo do irado;
5       irad'haja Deus quem me lhi foi dar.
  
Em cuidados de mil guisas travo
por vos dizer o com que m'agravo,
       mais nom ous'hoj'eu convosc'a falar,
ca hei mui gram medo do mal bravo;
10       mal brav'haja Deus quem me lhi foi dar.
  
Gram pesar hei, amigo, sofrudo
por vos dizer meu mal ascondudo,
       mais nom ous'hoj'eu convosc'a falar,
ca hei mui gram medo do sanhudo;
15       sanhud'haja Deus quem me lhi foi dar.
  
Senhor do meu coraçom, cativo
sodes em eu viver com quem vivo,
       mais nom ous'hoj'eu convosc'a falar,
ca hei mui gram medo do esquivo;
20       esquiv'haja Deus quem me lhi foi dar.



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Nota geral:

Numa interessante e original cantiga, a donzela diz ao seu amigo que não ousa falar com ele, nem contar-lhe o seu profundo mas secreto sofrimento, porque tem muito medo daquele a quem chama, sucessivamente, o irado, o mal bravo (o selvagem, numa tradução aproximada), o sanhudo e, finalmente, aquele "com quem vive" - ou seja, o seu marido. E amaldiçoa, ao mesmo tempo (no último verso do refrão), "quem me lhi foi dar", por certo o seu pai ou a sua família.
Sendo esta, pois, uma cantiga de amigo, ela não deixa de constituir igualmente uma denuncia da situação social das mulheres (ou de algumas mulheres) na Idade Média, sujeitas a casamentos forçados e a maridos violentos.



Nota geral


Descrição

Cantiga de Amigo
Refrão
Cobras singulares
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Fontes manuscritas

B 585, V 188

Cancioneiro da Biblioteca Nacional - B 585

Cancioneiro da Vaticana - V 188


Versões musicais

Originais

Desconhecidas

Contrafactum

Desconhecidas

Composição/Recriação moderna

Desconhecidas