| | | João Soares Coelho |
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| | | Meus amigos, que sabor haveria |
| | | d'a mui gram coita, 'm que vivo, dizer |
| | | em um cantar que querria fazer; |
| | | e pero direi-vos como querria, |
| 5 | | se Deus quisesse, dizê-lo: assi |
| | | que houvessem todos doo de mi |
| | | e nom soubessem por quem mi o dizia! |
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| | | E por esto rogo Santa Maria |
| | | que m'ajud'i; e que me dê poder |
| 10 | | per que eu torne na terra viver, |
| | | u mia senhor vi em tam grave dia |
| | | - sem outras coitas que depois sofri. |
| | | Ca nom vivera rem do que vivi, |
| | | senom cuidando com'i tornaria! |
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| 15 | | Mas cativ'eu! De melhor que querria, |
| | | de poder eu na terra guarecer, |
| | | u a cuidass'eu a poder veer |
| | | dôs mil dias ũa vez em um dia? |
| | | Já eu est'houv'e perdi-o per mim! |
| 20 | | Mas tam mal dia ante nom perdi |
| | | os olhos e quant'al no mund'havia! |
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| | | Ca, par Deus, meor míngua me faria! |
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Nota geral: Cantiga com duas partes bem marcadas, uma introdução e um desenvolvimento. Na primeira estrofe (e início da segunda), o trovador, dirigindo-se aos seus amigos, refere-se ao cantar que pretende fazer e cujo objetivo seria o de fazer com que todos tivessem dó dele, sem com isto perceberem a identidade da senhora a quem o dirigia. Na 2ª estrofe, pedindo ajuda a Nossa Senhora para esta tarefa, pede-lhe também (começando a desenvolver o tema) que lhe dê forças para regressar à terra da sua senhora, e aí ficar a viver, começando do zero (sem as exigências que antes lhe fazia e o sofrimento por não as obter). Porque, se a única coisa que o manteve vivo foi pensar continuamente na maneira de voltar, aceita agora que vê-la todos os dias uma vez (mas por muitos dias) lhe bastaria e que insensato foi em não pensar assim quando estava perto dela. Naquele dia em que partiu, antes tivesse perdido os olhos e tudo quanto possuía - menos falta lhe fariam.
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