Rui Queimado


 Dom Estêvam, em grand'entençom
 foi já or'aqui por vosso preito:
oí dizer por vós que a feito
sodes cego; mais dix'eu que mui bem
 5oídes, cada que vos cham'alguém:
vedes como tiv'eu vossa razom!
  
 E muito vos oí eu hoje mal sem
 dizer por vós: que, a feit[o ou nom],
sodes cego; e dix'eu log'entom
 10esto que sei que vos a vós avém:
que nunca vos home diz nulha rem
que nom ouçades, se Deus mi perdom.
  
Oí dizer por vós que há sazom
que ve[e]des [já] quanto, pois me deito
 15e dormesco e dórmio bem a feito,
 que assi veedes vó[s] loaçom;
e assanhei-m'eu e dixi por en:
- Confonda Deus quem cego chama quem
  
 assi ouve come vó'lo sarmom!



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General note:

Rui Queimado junta-se ao coro das chacotas contra D. Estêvão, jogando aqui equivocamente com um traço que, para além da sua alegada homossexualidade, também lhe é atribuído: a sua miopia ou cegueira. Numa primeira leitura, a ideia parece ser, pois, que ele pode ver mal (os feitos - maus - dos outros) mas ouve certamente muito bem - ainda que não saibamos exatamente onde é que o trovador quer chegar com esta oposição ver/ouvir.
Quanto à identidade deste D. Estêvão e ao contexto em que se insere o ciclo de cantigas que lhe são dirigidas, veja-se a nota antroponímica do v. 1 e ainda a explicação que fornecemos na Nota Geral a uma composição de Airas Peres de Vuitorom.
Em ambos os manuscritos, a composição tem, no entanto, além de várias discrepâncias com termos em rima, um problema suplementar, difícil de solucionar: uma última estrofe com sete versos, quando as duas primeiras têm seis. Muito embora Rodrigues Lapa, na sua edição1, tivesse eliminado o verso 16, considerando ter sido um erro dos copistas, o certo é que não parece fazer sentido eliminá-lo. Numa anterior edição, mantivemo-lo, por isso, no lugar em que surge nos manuscritos, tal como os restantes (por não vermos qual poderíamos eliminar). Em 2021, no entanto, Ângela Correia sugeriu2 que a anomalia poderia ser corrigida se considerássemos uma finda. E é o que esta investigadora faz ao editar a cantiga, onde mantém a ordem dos versos tal como os manuscritos a apresentam, considerando finda o último verso dessa estrofe anómala. Pela nossa parte, concordando com esta solução, alterámos agora (2025) a nossa anterior edição, seguindo a sua proposta. Mas alterando em vários pontos a sua leitura dos versos (tal como explicamos e justificamos nas notas L).

References

1 Lapa, Manuel Rodrigues (1970), Cantigas d´Escarnho e de Maldizer dos Cancioneiros Medievais Galego-Portugueses, 2ª Edição, Vigo, Editorial Galaxia.

2 Correia, Ângela (2021), O outro nome de «Don Estevan»: oito sátiras trovadorescas relacionadas com Sancho II de Portugal, Lisboa, Biblioteca Nacional.



General note


Description

Cantiga de Escárnio e maldizer
Mestria
Cobras singulares
Finda
(Learn more)


Manuscript sources

B 1386, V 995

Cancioneiro da Biblioteca Nacional - B 1386

Cancioneiro da Vaticana - V 995


Musical versions

Originals

Unknown

Contrafactum

Unknown

Modern Composition or Recreation

Unknown