João Fernandes de Ardeleiro

Rubrica:

Esta cantiga foi feita a um comendador que houvera sas palavras com este escudeiro que lhi esta cantiga fez, por que o moveo a fazer del queixume a el-Rei, e fez-lhi perder a terra que del tiinha e havia nome Pavia.


O que seja no pavio
que me fez perder Pavia,
de que m'eu nada nom fio,
 al m'er fez, com sa perfia:
5de noite, per mui gram frio,
que tangess'em péla fria;
mais ainda m'end'eu rio,
como s'end'el nunca ria.
  
Nẽũas graças nom rendo
10a quem lhi deu tam gram renda,
per que m'eu del nom defendo
nem acho quem me defenda;
e pois que eu nom enmendo
nem me faz outr'a e[n]menda,
15ao Demo [o] encomendo
que o haja em sa comenda.
  
Coida-me lançar a mato;
mais o que me del m'ora mata:
tem que no meu, de [barato],
20[ora] jaz i gram barata;
[se mia fa]zenda desato,
por quanto [sei, ma des]ata;
mais o de que m'eu [ora cato],
d'el-rei, querer-mi nom cata.
  
25Que mi há-de poer no pao,
 esto diz que viu na paa;
e por en quanto tem dá-o,
e a mia lavoira dá-a;
mais pois eu nom acho vao
30a meu feito, sempre vá
sa fazenda em ponto mao
e el muito em hora má.



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Nota geral:

Cantiga de apurado virtuosismo linguístico, baseada no artifício rimático chamado "macho e fêmea" (variações sobre o masculino e feminino do mesmo termo), o que a torna, aliás, um pouco obscura em alguns momentos. O facto de a terceira estrofe estar em muito mau estado nos manuscritos não facilita, de resto, as coisas. Seja como for, o contexto no qual foi composta a composição é-nos explicado pela rubrica que a acompanha: depois de uma discussão com um "comendador" (muito certamente um membro de um ordem militar), que dele se queixou ao rei, o trovador terá sido privado dos rendimentos da localidade de Pavia, que eram seus.
Embora seja difícil apurarmos concretamente de que rei se tratará, a cantiga parece inserir-se no contexto do repovamento das zonas de conquista relativamente recente ou de fronteira (Pavia situa-se no Alentejo), contexto no qual os monarcas ibéricos (Afonso X ou D. Dinis, por exemplo), fundando povoações em zonas escolhidas, ou entregando-as a Ordens militares por razões de defesa (como aconteceu exatamente no Alentejo), entraram muitas vezes em conflito aberto com a nobreza, que reivindicava a posse dessas terras. Dado Pavia ter sido uma das localidades fundadas por D. Dinis1, é possível que seja ele o rei referido (como parece confirmar, de resto, a cantiga de amor do trovador, que abre com uma referência explícita à sua pouca sorte em Portugal)

Referências

1 Calado, Adelino de Almeida (Ed.) (1998), Crónica de Portugal de 1419, Aveiro, Universidade de Aveiro, 164.



Nota geral


Descrição

Cantiga de Escárnio e maldizer
Mestria
Cobras singulares
(Saber mais)


Fontes manuscritas

B 1327, V 933
(C 1327)

Cancioneiro da Biblioteca Nacional - B 1327

Cancioneiro da Vaticana - V 933


Versões musicais

Originais

Desconhecidas

Contrafactum

Desconhecidas

Composição/Recriação moderna

Desconhecidas