Modelos e variações: a lírica medieval ibérica na Europa dos trovadores

1. Resumo

As cantigas dos trovadores e jograis galego-portugueses não podem ser desligadas do vasto e importante movimento europeu habitualmente conhecido como «o tempo dos trovadores», um movimento literário e artístico que, dominante entre os os finais do século XI e meados do século XIV, modela também, em grande medida, toda a cultura europeia posterior. Neste contexto, as relações entre a lírica galego-portuguesa e a lírica provençal ou francesa há muito que têm vindo a ser assinaladas. Desde os estudos pioneiros de D. Carolina Michaëlis, pelo menos, que os investigadores se têm debruçado sobre estas relações, quer procurando listar as viagens e estadias de trovadores provençais (mais raramente franceses) nas cortes peninsulares, quer assinalando, de forma mais ou menos dispersa, as composições galego-portuguesas cujos modelos parecem ter sido composições extra-peninsulares.

Ao longo do extenso trabalho científico que conduziu à base de dados “Cantigas Medievais Galego-portuguesas”, recurso multimédia online desde Novembro de 2011 (http://cantigas.fcsh.unl.pt) a questão das relações das composições galego-portuguesas com as suas congéneres provençais e francesas foi sendo marginalmente anotado. O presente projeto, «Modelos e variações: a lírica medieval ibérica na Europa dos trovadores», procura assim dar sequência a estas observações, sistematizando, nesta nova Base de Dados, quer todos os dados que foram sendo recolhidos por investigadores anteriores, quer os novos dados coligidos pela equipa deste mesmo projeto.

Os objetivos desta nova Base de Dados são duplos:

- por um lado, e tendo em conta não só as dimensões literárias e linguísticas mas também musicais dos modelos trovadorescos e suas variações, sublinhar que a deteção dos casos de contrafactum, ou seja, de composições galego-portuguesas que possivelmente utilizavam melodias provençais ou francesas, significa, sempre que subsista essa documentação musical original, um importante avanço no que respeita à recuperação do «som» da lírica medieval ibérica (da qual sobreviveram apenas, como é sabido, treze melodias)

- por outro lado, não só conferir, junto do leitor de língua portuguesa ou ibérica, a necessária dimensão europeia à lírica galego-portuguesa (através, nomeadamente, da ligação com a BD já existente), mas ainda dar visibilidade internacional à notável arte dos trovadores ibéricos, em resultado da sua edição conjunta e independente com uma parte do corpus provençal e francês, disponibilizado de forma inovadora.

 

2. Equipa


Equipa científica

Graça Videira Lopes
Manuel Pedro Ferreira

Bolseiros

Mariana Lima


Equipa técnica

Pedro Diniz de Sousa (responsável informático, base de dados, programação web)


 

3.Critérios

O objetivo desta base de dados é o de colocar à disposição do público em geral, e também do público mais especializado, de uma forma rigorosa mas também acessível, todos os casos até agora detetados de contrafacta galego-portugueses que teriam utilizado melodias provençais ou francesas.


3.1. Textos incluídos nesta base de dados

Sendo certo que a prática do contrafactum era também habitual no interior da própria lírica galego-portuguesa (ou seja, que os autores «seguiam» igualmente modelos e melodias de outros autores galego-portugueses), no estado atual, esta base de dados contempla apenas os modelos extra-peninsulares, uma vez que são os únicos que permitem uma possível recuperação das melodias (em muitos casos conservadas, ao contrário das melodias galego-portuguesas).


3.2. Definição dos contrafacta

Os critérios para a definição de um possível contrafactum têm sido discutidos no seio da comunidade científica que se dedica a esta matéria. A primeira exigência é simples: um texto que «segue» uma melodia anterior tem de poder ser cantado (tem de «caber») nessa melodia. Já a deteção posterior dos contrafacta não é tão simples. Em termos gerais, a coincidência total ou parcial, em duas cantigas, dos respetivos esquemas silábicos, rimáticos ou mesmo, em certos casos, das terminações vocálicas dos versos são elementos que indiciam, com alguma segurança, a existência de um contrafactum.

Na nota geral de cada cantiga, estes critérios gerais são especificados para essa mesma cantiga.


3.3. Critérios de fixação e de edição dos textos

Os textos galego-portugueses incluídos nesta base de dados são os da sua edição eletrónica (na base de dados Cantigas Medievais Galego-Portugueses, cujos critérios pode consultar aqui Pedro, link).

Os textos provençais e franceses são apresentados em edição própria, mas tomando como referência as anteriores edições que se consideraram mais fidedignas (sempre indicadas no final da Nota Geral de cada cantiga). Partindo, pois, de anteriores edições críticas e não da consulta direta dos manuscritos (o que foi feito apenas em alguns passos mais problemáticos), esta edição própria dos textos provençais e franceses significou apenas, quase sempre, uma uniformização dos critérios ortográficos (muito diferentes nos diversos editores seguidos).

Para esta uniformização guiámo-nos por critérios de legibilidade. Assim, dentro do contexto da não alteração do que podemos supor ser a sonoridade das línguas occitânica e francesa medievais, adoptámos, com uma única exceção, as normas ortográficas do Provençal e Francês contemporâneos. Essa referida excepção diz respeito às normas de acentuação do Provençal, uma vez que optámos (de novo por uma questão de legibilidade) por utilizar, tal como na norma francesa, o acento agudo para indicar a vogal aberta e o acento grave para indicar a vogal fechada.

De resto, acrescente-se ainda, de forma mais geral, que, dadas as características desta edição eletrónica, pequenas correções de pormenor ou mesmo revisões e modificações quer das leituras ou interpretações propostas para as cantigas, quer de todos os restantes dados incluídos nesta base, serão sempre possíveis a qualquer momento. Excetuando a correção de pequenas gralhas ou de lapsos, todas as alterações ou todos dados novos que nela forem sendo introduzidos serão sempre devidamente assinalados (na secção «Atualizações recentes»).


3.4. Critérios referentes à música

Sempre que se tenham observado num poema occitano ou francês afinidades com um texto lírico galego-português, passíveis de ser interpretadas como indícios de emulação por parte do autor deste último, averiguou-se da sobrevivência, ou não, de versões com notação musical nos cancioneiros europeus. As melodias encontradas (examinadas directamente a partir dos manuscritos) foram então confrontadas com os textos afins em galego-português, de modo a julgar-se da sua compatibilidade. Note-se de passagem que tal compatibilidade não é posta em causa nem por divergências formais de pouco monta (como seja a falta de uma frase ou de uma sílaba) nem pela necessidade de redistribuir as notas pelas sílabas, pois esse tipo de variantes entre a canção usada como modelo e a nova composição se observa noutros ramos do cancioneiro medieval em contrafacta claramente identificados enquanto tal. Quando vários textos poderiam, hipoteticamente, ter seguido uma melodia, avaliou-se qual ou quais lhe estaria(m) mais próximo(s). Havendo mais de uma versão melódica para um mesmo texto, procurou-se a versão mais facilmente adaptável ao texto galego-português. Casos de alteração de estrutura estrófica, de hiper- ou hipometria, e outros problemas, foram também anotados e discutidos. As melodias julgadas compatíveis foram então transcritas a partir do manuscrito pertinente e o texto colocado sob as notas, experimentando-se de seguida, sempre que houvesse mais notas que sílabas, a distribuição silábica mais convincente, atendendo à prosódia e ao estilo musical da época (com destaque para os exemplos de Martim Codax e D. Dinis).