João Lobeira ou Anónimo - cantigas espúrias


Senhor genta,
mi tormenta
voss'amor em guisa tal,
que tormenta
5que eu senta
outra nom m'é bem nem mal
- mais la vossa m'é mortal!
       Leonoreta,
       fin roseta,
10       bela sobre toda fror,
       fin roseta,
       nom me meta
       em tal coi[ta] voss'amor!
  
Das que vejo
15nom desejo
outra senhor se vós nom,
e desejo
tam sobejo
mataria um leom
20- senhor do meu coraçom!
       Leonoreta,
       fin roseta,
       bela sobre toda fror,
       fin roseta,
25       nom me meta
       em tal coi[ta] voss'amor!
  
Mia ventura
em loucura
me meteu de vos amar:
30é loucura
que me dura,
 que me nom posso en quitar
- ai fremosura sem par!
       Leonoreta,
35       fin roseta,
       bela sobre toda fror,
       fin roseta,
       nom me meta
       em tal coi[ta] voss'amor!



 ----- Aumentar letra ----- Diminuir letra

Nota geral:

Cantiga atribuída por B, único manuscrito que no-la transmitiu, ao trovador João Lobeira, mas que estudos recentes, nomeadamente de Vicenç Beltran1 (que retoma Anna Ferrari, 19792), sugerem ser uma composição mais tardia, acrescentada ao manuscrito medieval que serviu de base à cópia mandada executar por Angelo Colocci, prática que algumas outras composições espúrias presentes nos apógrafos italianos atestam claramente. O caso desta composição é, no entanto, bastante mais polémico do que os restantes, uma vez que se prende diretamente com a discutida autoria e nacionalidade do célebre romance de cavalaria Amadis de Gaula, onde a cantiga é igualmente transcrita (em castelhano, língua da versão quinhentista do romance, única que nos chegou). Sendo a polémica vasta, limitamo-nos a resumir brevemente os seus dados principais.
Na verdade, esta presença da cantiga no Cancioneiro da Biblioteca Nacional tem sido um dos argumentos avançados pelos defensores da tese da autoria portuguesa do Amadis primitivo (nomeadamente D. Carolina Michaelis3 e Rodrigues Lapa4), que não têm dúvidas em atribuir o romance ao trovador a quem o Cancioneiro atribui a cantiga, João Lobeira (trabalho eventualmente completado posteriormente por Vasco Lobeira, seu descendente). Seria a partir desse original galego-português do romance, datável de meados ou finais do século XIII, que Garcí de Montalvo, em finais do século XV, teria feito a sua versão castelhana (a única que nos chegou, como se disse, mas que o próprio Montalvo refere ter sido composta a partir de um texto anterior).
Mas o Lai da Leonoreta, como é habitualmente conhecida a composição, se está efetivamente presente no Cancioneiro da Biblioteca Nacional, parece apresentar, de facto, alguns problemas de transmissão nesse manuscrito, desde logo o facto de o texto nos aparecer distribuído por dois lugares diferentes (a primeira estrofe no meio da coluna da direita do folio 64, em B 244, as duas seguintes no verso do folio, no início da coluna da direita, sem numeração e seguindo a cantiga B 246, também de João Lobeira). Esta disposição anómala e problemática no manuscrito, juntamente com algumas características temáticas e estilísticas da composição, têm levado os investigadores mais recentes a defender a hipótese de estarmos perante uma cantiga tardiamente acrescentada ao manuscrito primitivo, em espaços em branco disponíveis no meio das cantigas de amor de João Lobeira. Se esta hipótese parece plausível, deve acrescentar-se, no entanto, que não é frequente um espaço em branco seguir imediatamente o nome de um autor, como seria este o caso do cancioneiro que Colocci copiava. Nesta medida, ou Colocci se enganou na colocação da rubrica atributiva "João Lobeira" (erro repetido no seu Índice), ou não seria impossível que o acrescento tardio dissesse respeito apenas às duas estrofes finais, o que poderia relançar o debate.
De resto, já em 2013, Antoni Rossell5, com base numa cuidada análise métrico-musical (que inclui uma interessante comparação com o refrão inicial da conhecida cantiga de Afonso X, O genete), conclui que a composição incluída no Cancioneiro deverá ser o original, posteriormente adaptado no Amadis de Montalvo.

Referências

1 Beltran, Vicenç (2007), “La Leonoreta del Amadís”, in Actas del I Congreso de la Asociación Hispánica de Literatura Medieval: Santiago de Compostela, 1985, Ed.Vicenç Beltrán. Barcelona: PUP, 1988, e “Temas e tipos trovadorescos. Leonoreta, fin roseta, la corte poetica de Alfonso X y el orígen del Amadís”, in Actas del X Congreso de la Asociación Internacional de Hispanistas, Barcelona 1989, Barcelona, PPU, 1992, artigos retomados em Poética, poesia y sociedad en la lírica medieval , Verba, Anexo 59, Universidade de Santiago de Compostela.
      Aceder à página Web


2 Ferrari, Anna (1979), “Formazione e struttura del Canzoniere Portoghese della Biblioteca Nazionale di Lisbona (Cod. 10991: Colocci-Brancuti)”, in Arquivos do Centro Cultural Portugués, XIV, Paris, Fundação Calouste Gulbenkian.

3 Vasconcelos, Carolina Michaëlis de (1922), Prólogo à adaptação de Afonso Lopes Vieira O Romance de Amadis, Lisboa.

4 Lapa, Manuel Rodrigues (1970), "A questão do ´Amadis de Gaula´ no contexto peninsular", in Grial, XXVII.

5 Rossell, Antoni (2013), “La música del Amadís de Gaula: la “Leonoreta” y su tradición métrico-melódica” in Pueden alzarse las gentiles palabras, per Emma Scoles a cura di Ines Ravasini e Isabella Tomassetti, BAGATTO LIBRI, Roma.
      Aceder à página Web




Nota geral


Descrição

Cantiga de Amor
Refrão
Cobras singulares
Dobre: (vv. 2 e 4 de cada estrofe)
tormenta (I), desejo (II), loucura (III);
(no refrão)
roseta
(Saber mais)


Fontes manuscritas

B 244/246bis
(C 244)

Cancioneiro da Biblioteca Nacional - B 244/246bis


Versões musicais

Originais

Desconhecidas

Contrafactum

Senhor genta 

Versão de José Augusto Alegria

Composição/Recriação moderna

Desconhecidas