João de Gaia

Rubrica:

  

Esta cantiga foi seguida per ũa bailada que diz: "Vós havede'los olhos verdes e matar-m'-edes com eles." E foi feita a um bispo de Viseu, natural d'Aragom, que era tam cárdeo com[o] cada ũa destas cousas que conta em esta cantiga ou mais e apoinham-lhe que se pagava do vinho.


Eu convidei um prelado a jantar, se bem me venha.
 Diz el em est': - E meus narizes de color de berengenha?
       Vós havede'los alhos verdes, e matar-m'-íades com eles!
  
 - O jantar está guisado e, por Deus, amigo, trei-nos.
5Diz el em est': - E meus narizes color de figos sofeinos?
       Vós havede'los alhos verdes, e matar-m'-íades com eles!
  
 - Comede mig'e dirám-nos cantares de Martim Moxa.
Diz el em est': - E meus narizes color d'escarlata roxa?
       Vós havede'los alhos verdes, e matar-m'-íades com eles!
  
10- Comede mig'e dar-vos-ei ũa gorda garça parda.
Diz el em est': - E meus narizes color de rosa bastarda?
       Vós havede'los alhos verdes, e matar-m'-íades com eles!
  
- Comede mig'e dar-vos-ei temporão figo maduro.
Diz el em est': - E meus narizes color de morec'escuro?
15       Vós havede'los alhos verdes, e matar-m'-íades com eles!
  
- Treides mig'e comeredes muitas boas assaduras.
Diz el em est': - E meus narizes color de moras maduras?
       Vós havede'los alhos verdes, e matar-m'-íades com eles!



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Nota geral:

Nova cantiga de seguir, como a rubrica que a acompanha nos explica. O visado parece ser D. Miguel Vivas, bispo de Viseu, várias vezes satirizado por esta última geração de trovadores. Para se entender cabalmente a cantiga há que ter em conta, como detalhadamente explicou Luciana Stegagno Picchio1, que os alhos verdes eram muitas vezes utilizados como indutores da bebida. João de Gaia utiliza, pois, o mesmo engenhoso processo de seguir que utiliza na sua cantiga sobre o alfaiate-cavaleiro: altera ligeiramente o refrão da cantiga (no caso, uma bailada) que segue (de olhos verdes passa a alhos verdes), de modo a fazê-lo significar outra coisa: aqui, concretamente, o gosto do prelado pela bebida, detetável pelo seu nariz roxo, repetidamente descrito em todos os matizes desta cor. Todos estes dados nos são confirmados pela rubrica.

Referências

1 Stegagno Picchio, Luciana (1979), "Os alhos verdes (Uma cantiga de escarnho de Johan de Gaya)", in A lição do texto. Filologia e Literatura, Lisboa, Edições 70.



Nota geral


Descrição

Cantiga de Escárnio e maldizer
Cantiga de seguir
Cobras singulares
(Saber mais)


Fontes manuscritas

B 1452, V 1062

Cancioneiro da Biblioteca Nacional - B 1452

Cancioneiro da Vaticana - V 1062


Versões musicais

Originais

Desconhecidas

Contrafactum

Desconhecidas

Composição/Recriação moderna

Desconhecidas