Osoiro Anes


Sazom é já de me partir
de mia senhor, ca já temp'hei
que a servi; ca perdud'hei
o seu amor e quero-m'ir;
 5mais pero direi-lh'ant'assi;
"Senhor, e que vos mereci?
 Ca nom foi eu depois peor,
des quando guaanhei voss'amor?"
  
E [ha]veredes a sentir
 10camanha míngua vos farei;
e ve[e]redes, eu o sei,
como poss'eu sem vós guarir!
E diredes depois por mi:
 "Mesela! Por que o perdi?
15E que farei quando s'el for
alhur servir outra senhor?
  
Estranha mêngua mi fará,
 tal que per rem nom poss'osmar
como sem el possa estar!
 20De mim rancurado s'irá;
e terram-mi-o por pouco sem
que a tal homem nom fiz bem!
A dona que mi o receber
conmigo se pode perder.
  
 25Cada que me lh'eu assanhar,
a meu osm', ou lhi mal disser,
 se mi o logo acolh[er] hoer
 mia vezĩa, ou mi o sussacar,
mao vezĩo per será!
 30Mais nom xi vo-l'assentirá,
 ca nom quer'eu filhar o seu,
 nem lh'ar querrei leixar o meu".



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Nota geral:

Original cantiga de despedida, na qual o trovador imagina o que dirá à sua senhora ao ir-se embora, mas também, logo a partir da 2ª estrofe e até ao fim da composição, a reação dela a essa despedida, em forma de (imaginado) discurso interior, no decorrer do qual ela própria antecipa igualmente situações futuras.
A razão para a partida é explicada logo na primeira estrofe: servindo há muito a sua senhora, o trovador perdeu o seu amor, e sem o merecer. E é isso que ele lhe dirá à despedida: que a vida lhe correu até bem pior desde o momento em que ela, correspondendo ao seu amor, o aceitou. Decidido, pois, a partir, tem, no entanto, a certeza de que ela irá sentir a sua falta, sobretudo ao ver que ele pode perfeitamente sobreviver sem ela.
E o trovador imagina então as reflexões que ela fará logo em seguida, e que nos são apresentadas em discurso direto. Antes de mais, ela lamentará tê-lo perdido, situação agravada pela possibilidade de ele poder arranjar uma outra a quem amar. Partindo ele zangado, como supõe, todos a criticarão por não o ter tratado melhor. Mas esse facto mais a incita a não desistir dele: e afirma então que essa dona que o aceitar terá de se haver com ela. Porque, considerando ela que tem todo o direito de se zangar com ele quando quiser ou de o tratar menos bem, aquela que, nesses momentos, lho roubar, será uma "má vizinha" (uma "má cidadã", poderíamos dizer, ou uma má pessoa). De qualquer forma, e em nome da solidariedade feminina (não roubar o alheio e defender o próprio), ela acaba por concluir que tal hipótese nunca se concretizará.
Para além deste original discurso interior da senhora, imaginariamente arrependida, a cantiga apresenta-nos ainda uma situação muito pouco comum no conjunto das cantigas de amor: uma senhora que corresponde ao amor do trovador (se bem que depois a relação se complique). O facto de Osoiro Anes ser um dos trovadores mais antigos da lírica galego-portuguesa poderá explicar em parte este "desalinhamento" em relação aos tópicos que se irão tornar normativos nos autores seguintes (como o da indiferença da senhora).



Nota geral


Descrição

Cantiga de Amor
Mestria
Cobras doblas (I e II) e singulares (III e IV)
(Saber mais)


Fontes manuscritas

B 38

Cancioneiro da Biblioteca Nacional - B 38


Versões musicais

Originais

Desconhecidas

Contrafactum

Desconhecidas

Composição/Recriação moderna

Desconhecidas