Pero da Ponte


Agora me part'eu mui sem meu grado
de quanto bem hoj'eu no mund'havia,
 ca 'ssi quer Deus e mao meu pecado,
       ai eu!
5De mais, se mi nom val Santa Maria,
 d'haver coita muito tenh'eu guisado;
mais rog'a Deus que mais d'hoj'este dia
nom viva eu, se m'El nom dá conselho.
  
Nom viva eu, se m'El nom dá conselho,
10nem viverei, nem é cousa guisada,
 ca pois nom vir meu lum'e meu espelho,
       ai eu!
já por mia vida nom daria nada,
mia senhor; e digo-vos em concelho
15que, se eu morr'assi desta vegada,
que a vó'lo demande meu linhage!
  
Que a vó'lo demande meu linhage,
senhor fremosa, ca vós me matades,
pois voss'amor em tal coita me trage,
20       ai eu!
 e sol nom quer Deus que mi o vós creades
e nom me val i preito nem menage.
E ides-vos e me desamparades;
desampare-vos Deus, a que o eu digo!
  
25Desampare-vos Deus, a que o eu digo,
 ca mal per fic'hoj'eu desamparado!
De mais nom hei parente nem amigo,
       ai eu!
que m'aconselh'! E desaconselhado
 30fic'eu sem vós e nom ar fica migo,
senhor, senom gram coita e cuidado.
Ai Deus! Valed'a homem que d'amor morre!



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Nota geral:

Cantiga de amor que desenvolve, de forma imaginativa e algo paródica, o tradicional tema da morte de amor (no caso, porque a senhora parte). De facto, a espécie de risonha ameaça pública (digo-vos em concelho, v. 14) de que a inevitável morte que a dama lhe infligirá poderia ser vingada pela sua linhagem (vs. 16 e sgs.), bem como o desejo, expresso no final, de que Deus a desampare, são motivos muito pouco ortodoxos no canto de amor galego-português. Mantendo-se nos limites do género, Pero da Ponte aproveita, pois, o direito feudal para subverter as normas do segredo e da aceitação incondicional dos ditamos da senhor.
É possível, como propõe Vicenç Beltran1, que esta cantiga parodie, mais especificamente, a cantiga de amor do trovador provençal Guiraut de Riquier (presente na corte de Afonso X de 1271 a 1280) Fis e verays e pus ferms, que no suelh. Formalmente, pelo menos, a rara utilização que Pero da Ponte faz do leixa-pren (cada estrofe repete o último verso da anterior) parece ser claramente inspirada por Riquier, que o utiliza em várias composições.
A ser assim, Pero da Ponte terá composto a sua cantiga pouco depois da de Riquier, datada, segundo Beltran, de 1275.

Referências

1 Beltran, Vicenç (2005), La corte de Babel. Lenguas, poética y política en la España del siglo XIII, Madrid, Bredos, pp. 165-178.
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Nota geral


Descrição

Cantiga de Amor
Refrão
Cobras singulares
Palavra perduda: v. 8 de cada estrofe
(Saber mais)


Fontes manuscritas

A 290, B 981, V 568

Cancioneiro da Ajuda - A 290

Cancioneiro da Biblioteca Nacional - B 981

Cancioneiro da Vaticana - V 568


Versões musicais

Originais

Desconhecidas

Contrafactum

Desconhecidas

Composição/Recriação moderna

Desconhecidas