Pero Guterres


Todos dizem que Deus nunca pecou,
mais mortalmente o vej'eu pecar:
ca lhe vej'eu muitos desemparar
seus vassalos, que mui caro comprou;
5ca os leixa morrer com grand'amor,
desemparados de bem de senhor
e já com'estes mim desemparou.
  
E maior pecado mortal nom sei
ca o que eu vejo fazer a Deus,
10ca desempara os vassalos seus
em mui gram coita d'amor qual eu hei;
e o senhor que acorrer nom quer
a seus vassalos, quando lh'é mester,
peca mortal, pois é tam alto rei.
  
15Todo senhor, de mais rei natural,
dev'os vassalos de mort'a partir
e acorre[r]-lhes, cada que os vir
estar em coita; mais Deus nom é tal,
ca os leixa com grand'amor morrer,
20e, pero pode, nom lhes quer valer
e assi faz gram pecado mortal.



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Nota geral:

Como vários outros trovadores, Pero Guterres dirige aqui a sua "sátira" contra Deus, um senhor que desampara os seus vassalos. Sendo o pano de fundo da invetiva ainda o amor (Deus não acorre ao sofrimento dos que amam, e particularmente ao do trovador), note-se a muito curiosa transposição que se faz do sistema de vassalagem feudal para as relações homem/Deus.
Saliente-se que, em V, toda a composição está riscada, por motivos que desconhecemos (mas que talvez se prendam exatamente com o seu tema).



Nota geral


Descrição

Escárnio e Maldizer
Mestria
Cobras singulares
(Saber mais)


Fontes manuscritas

B 922, V 510

Cancioneiro da Biblioteca Nacional - B 922

Cancioneiro da Vaticana - V 510


Versões musicais

Originais

Desconhecidas

Contrafactum

Desconhecidas

Composição/Recriação moderna

Desconhecidas