D. Dinis


 Ũa pastor bem talhada
cuidava em seu amigo
e estava, bem vos digo,
per quant'eu vi, mui coitada;
 5e diss': "Oimais nom é nada
de fiar per namorado
nunca molher namorada,
pois que mi o meu há errado".
  
Ela tragia na mão
10um papagai mui fremoso,
cantando mui saboroso,
ca entrava o verão;
e diss': "Amigo loução,
que faria per amores?
15Pois m'errastes tam em vão!"
 E caeu antr'ũas flores.
  
Ũa gram peça do dia
jouv'ali, que nom falava,
e a vezes acordava
20e a vezes esmorecia;
e diss': "Ai Santa Maria!
que será de mim agora?"
E o papagai dizia:
"Bem, per quant'eu sei, senhora."
  
25"Se me queres dar guarida",
diss'a pastor, "di verdade,
papagai, por caridade,
ca morte m'é esta vida".
Diss[e] el: "Senhor comprida
30de bem, e nom vos queixedes,
ca o que vos há servida,
erged'olho e vee-lo-edes".



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Nota geral:

Nesta notável pastorela, D. Dinis põe em cena uma pastora atormentada de amores enquanto espera pelo seu amigo, num cenário primaveril e idílico. Que o espera é o que se depreende logo da primeira estrofe, quando ela nos diz que doravante nenhuma mulher deve confiar no namorado já que o seu a enganou, Mas a originalidade da pastorela reside, em grande medida, no aparecimento inesperado de um papagaio, que surge, na sua mão e a cantar, logo no início da segunda estrofe. Entre novos lamentos (e note-se que ela diz que o amigo a enganou em vão, ou seja, que ela até estaria muito disponível para aceder aos seus pedidos), a donzela "cai entre uma flores", onde permanece uma parte do dia, sem dar acordo de si (como a cantiga tão bem descreve). Segue-se um original diálogo final entre a pastora e o papagaio, no qual a ave, não só a acalma, como anuncia finalmente, e como por magia, a chegada do amigo.
Não sendo este o lugar para uma análise mais detalhada desta composição, acrescente-se apenas que é possível que D. Dinis parta aqui de uma novela provençal bem conhecida, as Novas del papagai, de Arnaut de Carcassé (cuja história é, no entanto, um pouco diferente, já que se trata de uma dama encerrada num jardim por um marido ciumento, e a quem um papagaio eloquente convence a trair).



Nota geral


Descrição

Pastorela
Mestria
Cobras singulares
(Saber mais)


Fontes manuscritas

B 534, V 137

Cancioneiro da Biblioteca Nacional - B 534

Cancioneiro da Vaticana - V 137


Versões musicais

Originais

Desconhecidas

Contrafactum

Desconhecidas

Composição/Recriação moderna

Uma pastora delgada 

Versão de Fontes Rocha, Natália Correia, Ary dos Santos