João Soares Coelho


As graves coitas, a quen'as Deus dar
quer, e o mal d'amor, gram bem faria
 se lhe desse (pero nom lhe daria)
com quem ousass'em sas coitas falar,
5em tal guisa que lho nom entendesse
com quen'o falass'e que se doesse
del; mais nom sei de Deus se poderia.
  
Pero sei bem, aquant'é meu cuidar,
 a quem esto desse, ca lhe daria
10mais longa vida e que lhi faria
daquelas coitas haver mais vagar.
E nom sei al per que sem nom perdesse,
que mais houvess', e cedo nom morresse;
e per esto cuido que viveria.
  
15Destas coitas eu podia falar
come quen'as padece cada dia;
mais nom é tempo já, nem me valria.
Mais guarde-se quem se poder guardar
e nom s'esforc'em senhor que prendesse,
20a melhor, nem que melhor parecesse
deste mundo, ca peor lhi faria!
  
 Em tam grave dia senhor filhei,
a que nunca "senhor" chamar ousei.
  
Desta coita nunca eu vi maior:
25morrer e nom lh'ousar dizer: "senhor"!
  
Ca, de pram, moiro, querendo-lhe bem,
 pero nom lh'ous'en dizer nulha rem.
  
Ca dizê-lo cuidei ou a morrer
e, pois la vi, nom lh'ousei rem dizer,
  
30Ca por mais mia prol tenho de morrer!



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Nota geral:

O trovador começa por dizer que bom seria que Deus, dando a alguém grande sofrimento de amor, lhe pudesse dar ao mesmo tempo um confidente com quem esse apaixonado pudesse desabafar (sem, no entanto, lhe dar a entender detalhes concretos) e que se condoesse dele - mas duvida que Deus possa fazer tal coisa. Continuando este raciocínio na 2ª estrofe, acrescenta que o que ele tem a certeza é que, a quem isto desse, Deus daria uma vida mais longa e um sofrimento mais suportável, e que seria esta a única forma de tal pessoa não perder totalmente a razão e morrer.
Na 3ª estrofe, o trovador passa ao registo pessoal: deste tipo de sofrimento poderia ele falar, já que o padece todos os dias, mas crê que já não vai a tempo e de nada lhe valeria. Avisa, no entanto, aqueles que ainda podem, a não se empenharem muito com nenhuma senhora, por melhor ou mais bonita que seja, até porque, quanto melhor ela for, pior passarão.
De forma original, a composição termina com cinco findas, nas quais o registo é novamente muito pessoal e emotivo. No seu conjunto, ele lamenta a triste sorte que teve ao amar uma senhora a quem não ousa sequer confessar o seu amor.
Acrescente-se que, das composições que nos chegaram, só uma outra apresenta este número tão elevado de findas, uma cantiga (também de amor) de Nuno Anes Cerzeo.



Nota geral


Descrição

Cantiga de Amor
Mestria
Cobras uníssonas
Finda (5)
(Saber mais)


Fontes manuscritas

A 167/168, B 319

Cancioneiro da Ajuda - A 167/168

Cancioneiro da Biblioteca Nacional - B 319


Versões musicais

Originais

Desconhecidas

Contrafactum

Desconhecidas

Composição/Recriação moderna

Desconhecidas