Pero Garcia Burgalês


Nunca Deus quis nulha cousa gram bem
nem de coitado nunca se doeu,
pero dizem que coitado viveu;
ca, se s'El del doesse, doer-s'-ia
5de mi, que faz mui coitado viver,
a meu pesar, pois que me foi tolher
quanto bem eu eno mund'atendia.
  
Mais enquant'eu já vivo for, por en
nom creerei que o Judas vendeu
10nem que por nós na cruz morte prendeu
nem que filh'est de Santa Maria;
e outra cousa vos quero dizer:
ca foi coitado nom quero creer,
ca do coitad'a doer-s'haveria.
  
15Ainda vos d'El direi outra rem:
pois quanto bem havia me tolheu
e quant'El sempre no mund'entendeu
de que eu mui gram pesar prenderia,
per bõa fé, dali mi o fez prender;
20por esto nom quer'eu per El creer,
 e quanto per El crive, fiz folia.
  
E se El aqui houvess'a viver
e lh'eu por en podesse mal fazer,
 per bõa fé, de grado lho faria!
  
 25Mais - mal pecado! - nom hei en poder
e nom Lhi poss'outra guerra fazer;
mais por torpe tenh'eu quem per El fia!



 ----- Aumentar letra ----- Diminuir letra

Nota geral:

Como vários outros trovadores dos cancioneiros, Pero Garcia Burgalês dirige aqui uma forte invetiva contra Deus, a quem acusa de ser responsável pela morte da mulher amada. Por isso, diz, já não pode mais acreditar n´Ele, nem em nada do que a história sagrada conta sobre os seus sofrimentos, pois, se tivesse amado ou sofrido, decerto que teria tido piedade dele.
A composição faz parte de um ciclo, que inclui mais três outras cantigas, que Pero Garcia compôs sobre este tema, duas delas relativamente próximas do registo da cantiga de amor, mas uma outra já próxima deste registo satírico ou blasfemo.



Nota geral


Descrição

Escárnio e Maldizer
Mestria
Cobras uníssonas
Palavra(s)-rima: Imperf.: creer (v. 6, em II e III), fazer (v. 2 das findas)
Palavra perduda: v. 1 de cada estrofe
Finda (2)
(Saber mais)


Fontes manuscritas

B 223

Cancioneiro da Biblioteca Nacional - B 223


Versões musicais

Originais

Desconhecidas

Contrafactum

Desconhecidas

Composição/Recriação moderna

Desconhecidas