Pero Garcia Burgalês


Ora vej'eu que xe pode fazer
Nostro Senhor quanto xe fazer quer:
pois me tam bõa dona fez morrer
e mi ora fez veer outra molher,
 5per bõa fé, que amo mais ca mi!
E nunca me Deus valha, poila vi,
 se me nom fez tod'al escaecer!
  
Tanto a vi fremoso parecer
e fremoso falar que sol mester
10nom m'houvera per rem de a veer!
E se vos eu verdade nom disser,
nom me dê Deus dela bem, nem de Si:
ca nunca tam fremosa dona vi
de quantas donas pude conhocer.
  
15E por atal cuido sempr'a viver
 em grave coita, mentr'eu vivo for;
ca me fez ela mui gram coit'haver
de que jamais nom será sabedor
nunca per mim; ca eu nom lha direi,
20mal pecado!, nem amigo nom hei
que lha nunca por mim queira dizer.
  
Ca me nom posso hoj'amigo saber
(nem mi o quis nunca dar Nostro Senhor)
tal que por mim fezess'entender
25com'hoje moiro polo seu amor;
e pois que eu tal amigo nom hei,
morrer poss'eu, mais nunca lho direi,
pero me vejo por ela morrer.
  
Pero se lho por mim dissess'alguém,
30bem cuido dela que nom desse rem,
nem por mia morte, nem por eu viver.



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Nota geral:

O trovador reconhece como o poder de Deus é grande: fez morrer a sua senhora, mas logo lhe deu a conhecer uma outra, que o fez esquecer de tudo o resto. Se a composição se inicia, pois, com a referência a essa amada já falecida (cuja morte lamenta numa cantiga anterior), a partir do v. 4, e numa mudança algo brusca, é a nova senhora que ocupa a totalidade da cena, assumindo a cantiga, a partir daí e até ao seu final, o registo tópico da cantiga de amor.
A sua beleza e do seu falar faz com que o trovador garanta que ela é a melhor de quantas conheceu (levando talvez o leitor/ ouvinte a perguntar: então e a morta?). Qualidades que o farão sofrer para o resto da sua vida, até porque nada lhe ousará confessar, nem tem amigos que possam contar a essa dona o quanto sofre. De resto, se algum lhe contasse, o trovador está em crer que ela permaneceria indiferente.
São os três primeiros versos que alteram, pois, o quadro habitual do género, e neles, como sugere Arias Freixedo1, "o público coñecedor mesmo podería apreciar unha intención irónica", uma intenção potenciada, estamos em crer, pela mudança brusca para o registo ortodoxo do género - mas agora no louvor a uma outra amada, tão inigualável como a primeira. Este jogo entre o registo normativo e irónico é desenvolvido por Pero Garcia em duas outras cantigas deste ciclo, essas já claramente satíricas - ou blasfemas, se assim o entendermos, já que nelas o alvo da ira do trovador é Deus, o causador da morte da referida senhora.

Referências

1 Árias Freixedo, Xosé (2003), Antoloxia da lírica galego-portuguesa, Vigo, Edicións Xerais, 756.



Nota geral


Descrição

Cantiga de Amor
Mestria
Cobras doblas (rima a uníssona)
Palavra(s)-rima: (v. 6 de cada estrofe)
vi (I, II), amigo nom hei (III, IV)
Finda
(Saber mais)


Fontes manuscritas

A 107, B 216

Cancioneiro da Ajuda - A 107

Cancioneiro da Biblioteca Nacional - B 216


Versões musicais

Originais

Desconhecidas

Contrafactum

Desconhecidas

Composição/Recriação moderna

Desconhecidas