Afonso X


O que da guerra levou cavaleiros
e a sa terra foi guardar dinheiros,
       nom vem al maio.
  
O que da guerra se foi com maldade
5e a sa terra foi comprar herdade,
       nom vem al maio.
  
O que da guerra se foi com nemiga
pero nom veo quand'é preitesia,
       nom vem al maio.
  
10O que tragia o pano de linho
pero nom veo polo Sam Martinho,
       nom vem al maio.
  
O que tragia o pendom [sem] cinco
e [e]no dedo sem pedra o vinco,
15       nom vem al maio.
  
O que tragia o pendom sem oito
e a sa gente nom dava pam coito,
       nom vem al maio.
  
O que tragia o pendom sem sete
20e cinta ancha e mui gram topete,
       nom vem al maio.
  
O que tragia o pendom sem tenda,
per quant'agora sei de sa fazenda,
       nom vem al maio.
  
25O que com medo se foi dos martinhos
e a sa terra foi bever los vinhos,
       nom vem al maio.
  
O que com medo fugiu da fronteira,
pero tragia pendom sem caldeira,
30       nom vem al maio.
  
O que roub[ava] os mouros malditos
e a sa terra foi roubar cabritos,
       nom vem al maio.
  
O que da guerra se foi com espanto
35e a sa terra ar foi armar manto,
       nom vem al maio.
  
O que da guerra se foi com gram medo
contra sa terra, espargendo vedo,
       nom vem al maio.
  
40O que tragia pendom de cadarço,
macar nom veo en[o] mês de Março,
       nom vem al maio.
  
O que da guerra [se] foi recreúdo,
macar em Burgos fez pintar escudo,
45       nom vem al maio.



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Nota geral:

Mais uma cantiga que tem como motivo o comportamento dos cavaleiros nas campanhas da Andaluzia, esta bem longa, uma vez que seriam numerosos os faltosos e o rei parece fazer questão em aludir a cada um em particular. O tema é semelhante ao que encontramos noutras cantigas deste ciclo: quem não combateu, não pode vir à festa - aqui, muito concretamente as festas de Maio, as maias. Note-se, no entanto, que o mês de Maio era também o mês do alardo, ou seja, do recenseamento das tropas para os combates da primavera e do verão, o que explica o jogo de palavras que constrói a cantiga.
Tudo indica que esta espécie de longa ladainha satírica terá sido composta no contexto da revolta nobiliárquica contra Afonso X, ocorrida entre os anos 1272 e 1274, ou seja, na altura em que um numeroso grupo de ricos-homens e cavaleiros, chefiados por D. Nuno de Lara e D. Lopo Díaz de Haro, entrou em conflito aberto com o rei, acabando mesmo por se aliar ao rei muçulmano de Granada. O momento coincide com o desencadear de novos ataques muçulmanos à fronteira andaluza, vindos do Norte de África, e com a recusa dos mesmos ricos-homens de se juntarem à hoste real que se preparava para os combater - e isto muito embora o rei tivesse já satisfeito parte das suas reivindicações relativas a pagamentos em falta. As denúncias feitas na composição parecem coincidir perfeitamente com estes dados.
A cantiga aparece completa em B, mas repartida em dois lugares distintos: as primeiras seis estrofes em B 496, as restantes muito antes, riscadas e sem numeração, antecedendo a cantiga B 145 (de Paio Soares de Taveirós). Para além desta anomalia na sua transmissão (que se deverá a alterações, feitas por Colocci, na ordem do folios onde se copiaravam as cantigas de amor de Paio Soares1), muitos passos da cantiga são de interpretação extremamente difícil, quer pelas dificuldades de leitura dos manuscritos, quer pelas cerradas alusões, muitas das quais nos escapam.

Referências

1 Ferrari, Anna (1979), “Formazione e struttura del Canzoniere Portoghese della Biblioteca Nazionale di Lisbona (Cod. 10991: Colocci-Brancuti)”, in Arquivos do Centro Cultural Portugués, XIV, Paris, Fundação Calouste Gulbenkian.



Nota geral


Descrição

Escárnio e Maldizer
Refrão
Cobras singulares
(Saber mais)


Fontes manuscritas

B 496/145bis, V 79

Cancioneiro da Biblioteca Nacional - B 496/145bis

Cancioneiro da Vaticana - V 79


Versões musicais

Originais

Desconhecidas

Contrafactum

Desconhecidas

Composição/Recriação moderna

El-rei Dom Afonso de Castela e Leon 

Versão de Tomás Borba