Nota geral: Esta curiosa composição parece em tudo uma cantiga de amor, exceto no seu problemático refrão. Um refrão que, para complicar as coisas, não é de leitura evidente: na verdade, tanto poderemos ater-nos à letra dos manuscritos e ler porque se foi a rainha franca (opção que tomámos), como poderemos corrigi-los ligeiramente e ler porque se foi a rainh´a França (como sugere D. Carolina Michaelis, em nota à edição da cantiga1). Em ambas as leituras, no entanto, a palavra rainha não oferece dúvidas. Se mais não fosse, pois, esta inusitada referência a uma rainha (nos cancioneiros, e se excetuarmos o pranto pela morte da rainha D. Beatriz, é esta uma alusão única) confere à cantiga uma certa estranheza e leva a pensar que estaremos talvez face a uma falsa cantiga de amor, ou seja, face a uma sátira indireta, aludindo eventualmente a quaisquer amores reais. Seria uma estratégia semelhante à utilizada por Gonçalo Eanes do Vinhal nas duas falsas cantigas de amigo relativas aos alegados amores da madrasta de Afonso X, a rainha viúva D. Joana de Poitiers, com o seu enteado, o infante D. Henrique, irmão do rei Sábio - as personagens podendo, aliás, ser as mesmas. Nesta interpretação, que parece possível, seria, pois, a voz de D. Henrique que ouviríamos aqui. De qualquer forma, e dado que esta composição de Pero Garcia Burgalês, ao contrário das de D. Gonçalo, não vem acompanhada de qualquer rubrica explicativa, a incerteza quanto ao seu real sentido subsiste. É esta incerteza que nos levou a optar, como D. Carolina, pela leitura literal do refrão, leitura que não impede, no entanto, um eventual sentido equívoco (uma vez que o termo franca pode ter igualmente o sentido de "francesa").
Referências 1 Vasconcelos, Carolina Michaëlis de (1990), Cancioneiro da Ajuda, vol. I, Lisboa, Imprensa Nacional - Casa da Moeda (reimpressão da edição de Halle, 1904) .
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