Caldeirom


 Os d'Aragom, que soem donear,
e [os] Catalães com eles a perfia,
leixados som por donas a lidar,
vam-s'acordando que era folia;
 5e de bu[r]las, cuid'eu, ri[i]r-s'end'ia,
quem lhe dissess'aqueste meu cantar,
a dona gaia do bom semelhar,
o amor quiçá nõn'o preçaria.
  
 Cantar quer'eu, nom haverá i al,
10dos d'Aragom e dos da Catalonha,
 per como guardam sas armas de mal
  cada um deles, ergo se a sonha;
ante xe querem sofrir a vergonha
 daqueste segre, polo que mais val;
  15nom parariam os do [E]spital
de melhor mente a lide nem besonha.
  
 Desto cant'ar: el-rei me descobrir
dos d'Aragom, quand'eu vim de Galiza,
 em que vivem com gram míngu[a], e leni[r]
 20a busquei bem aalém de Fariza.
 Nom se faz todo per farpar peliça?
Mais quem [aqu]este meu cantar oir
  cante-me-o bem; e pois que esbaldir,
 se s'en queixar [por en], busque-me liça.



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General note:

Sendo uma mais curiosas e originais cantigas do cancioneiro satírico, esta é também uma das mais difíceis de editar e de entender: de facto, o péssimo estado em que se apresenta nos códices, aliado à utilização de numerosos provençalismos, têm desafiado a perspicácia e a imaginação dos editores, sem que os resultados obtidos se possam considerar satisfatórios. Tendo em conta estes condicionalismos, o que se compreende mais ou menos seguramente é que Caldeirom ensaia nesta cantiga uma irónica reflexão sobre algumas das nacionalidades peninsulares, detendo-se particularmente nos Catalães e nos Aragoneses, os quais, segundo o autor, parecem abandonar o seu tradicional gosto pelos jogos amorosos em favor dos jogos bélicos, para os quais, no entanto, parecem não ter grande vocação.
Se o sentido político geral da cantiga poderá ser este, já o seu sentido mais concreto se torna bem mais difícil de precisar. Para além do estado do texto nos manuscritos, já referido, a ausência de qualquer rubrica explicativa, aliada à incerteza sobre a cronologia do próprio Caldeirom, permitem-nos apenas sugerir hipóteses provisórias. Tomando como referência uma cronologia de finais do século XIII, não seria impossível, assim, que a composição se relacionasse de algum modo com um dos episódios cruciais do confronto entre Afonso X e o infante herdeiro D. Sancho, e que foi a fuga da rainha D. Violante (esposa do rei Sábio) para Aragão, no início de 1278, com os seus dois netos, os pequenos infantes de la Cerda (filhos do malogrado primogénito infante D. Fernando), o mais velho dos quais igualmente candidato ao trono. Na comitiva seguia também D. Branca, sua nora, viúva do infante1. Foi exatamente em Ariza (a Fariza referida na cantiga) que D. Pedro III de Aragão veio ao encontro da rainha, sua irmã, o que, juntamente com as referências concretas à questão das donas e do amor, talvez possa jogar a favor desta hipótese. D. Violante permaneceu um ano em Aragão, deixando em seguida os infantes nas mãos do rei aragonês aquando do seu regresso a Castela (o que não desagradou a D. Sancho, como se compreende, nem ao rei de Aragão, que passou a dispor de uma importante carta política nas suas relações futuras com o reino vizinho). A ser este o contexto, é muito possível que Caldeirom tivesse composto a sua cantiga no círculo trovadoresco do rei Sábio, muito pouco agradado com o acolhimento dado por Aragão a D. Violante. Repete-se, no entanto, que, até por serem numerosos os momentos de confronto entre Aragão a Castela, que será esta apenas uma sugestão de leitura. Algumas outras são dadas na nota ao v. 20.

References

1 González Jiménez, Manuel (1999), Alfonso X, Burgos, Editorial La Olmeda, 2ª Ed., pp. 176-177.



General note


Description

Cantiga de Escárnio e maldizer
Mestria
Cobras singulares
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Manuscript sources

B 1623, V 1157
(C 1623)

Cancioneiro da Biblioteca Nacional - B 1623

Cancioneiro da Vaticana - V 1157


Musical versions

Originals

Unknown

Contrafactum

Unknown

Modern Composition or Recreation

Unknown