Pedro Anes Solaz


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Eu velida nom dormia
       lelia doura
e meu amigo venia
       edoi lelia doura.
  
5Nom dormia e cuidava
       lelia doura
e meu amigo chegava
       edoi lelia doura.
  
O meu amigo venia
10       lelia doura
e d'amor tam bem dizia
       edoi lelia doura.
  
O meu amigo chegava
       lelia doura
15e d'amor tam bem cantava
       edoi lelia doura.
  
Muito desejei, amigo,
       lelia doura
que vos tevesse comigo
20       edoi lelia doura.
  
Muito desejei, amado,
       lelia doura
que vos tevess'a meu lado
       edoi lelia doura.
  
25Leli, leli, par Deus, leli
       lelia doura
bem sei eu que[m] nom diz leli
       edoi lelia doura.
  
Bem sei eu que[m] nom diz leli
30       lelia doura
demo x'é quem nom diz leli
       edoi lelia doura.



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Nota geral:

Durante muito tempo esta notável cantiga de amigo de Pedro Anes Solaz não encontrou uma explicação cabal, dada a estranheza do seu duplo refrão, que era entendido como puramente onomatopaico (ou seja, como um mero conjunto de sons exclamativos). A sugestão de Brian Dutton (19641) e Firmino Crespo (19672), de que se trataria, na verdade, de um refrão em língua árabe, significando "e a noite roda" ou "a noite é longa" (o que se enquadraria bastante bem na voz da donzela que não consegue dormir), veio trazer mais alguma luz à composição. Já mais recentemente, Rip Choen e Federico Corriente3 interpretaram de forma diferente os versos do refrão, propondo a tradução "é a minha vez" (v. 2), "e hoje é a minha vez" (v. 4) e ainda, quanto a leli (v. 25), a exclamação "A minha noite!".
Por explicar fica esta utilização da língua árabe no refrão, caso único em toda a poesia galego-portuguesa. Este facto, juntamente com as alterações algo bruscas no paralelismo (nas estrofes 5 e 6, e nas estrofes finais), alterações que parecem introduzir inesperados desvios de sentido na voz da donzela, continuam a dificultar uma interpretação cabal da cantiga. Lamento? Canto de júbilo? Original sátira indireta? (nesta última interpretação, o trovador poderia aludir aqui aos amores proibidos entre uma donzela e um muçulmano, talvez um músico, dentre os que sabemos terem estado ao serviço dos soberanos peninsulares). Seja como for, sublinhe-se o facto de estarmos perante uma cantiga de amigo que, sem nada perder do seu notável lirismo, é, na sua originalidade, de difícil classificação.

Referências

1 Dutton, Brian (1964), "Lelia doura, edoy lelia doura, na arabic refrain in a thirteenth-century galician poem?", in Bulletin of Hispanic Studies, XLI.

2 Crespo, Firmino (1967), "Lelia Doura ou o estranho refrão de uma cantiga trovadoresca", in Colóquio, 42, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian.
      Aceder à página Web


3 Cohen, Rip e Corriente, Federico (2002), "Lelia Doura revisited", in La Corónica: a Journal of Medieval Hispanic Languages, Literatures and Cultures, vol. 31, nº 1.
      Aceder à página Web




Nota geral


Descrição

Cantiga de Amigo
Refrão e Paralelística
Cobras alternadas
(Saber mais)


Fontes manuscritas

B 829, V 415

Cancioneiro da Biblioteca Nacional - B 829

Cancioneiro da Vaticana - V 415


Versões musicais

Originais

Desconhecidas

Contrafactum

Eu velida no dormia 

Versão de José Augusto Alegria

Composição/Recriação moderna

Cantar d’amigo (Cantares: op. 28, nº 4-2)      versão audio disponível

Versão de Cláudio Carneyro

Lelia Doura      versão audio disponível

Versões de Amancio Prada

Eu belida non durmia       versão audio disponível

Versão de X. Paz Antón, Uxía

Lelia doura      versão audio disponível

Versão de José Mário Branco