Cantiga referida em nota


Pedro, conde de Barcelos


Nom quer'a Deus por mia morte rogar,
 nem por mia vida, ca nom mi há mester:
[e p]oi[s] aquel que o rogar quiser,
por si o rog'e leix'a mim passar
5assi meu tempo, ca mentr'eu durar,
       nunca me pode bem nem mal fazer,
       nem ond'eu haja pesar nem prazer.
  
E já m'El tanto mal fez que nom sei
rem u me possa cobrar diss'; e nom
10sei, nem sab'outrem, nem sab'El razom
por que me faça mais mal de quant'hei.
E pois eu já per tod'esto passei,
       nunca me pode bem nem mal fazer,
       nem ond'eu haja pesar nem prazer.
  
15E bem nem mal nunca m'El já fará,
pois m'El pesar com tam gram coita deu,
que nunca prazer no coraçom meu
me pode dar, ca já nom poderá.
E pois por mim tod'esto passou já,
20       nunca me pode bem nem mal fazer
       nem ond'eu haja pesar nem prazer.



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Nota geral:

Indiferente face a tudo, o trovador afirma que não pedirá a Deus nem a morte, nem pela sua vida, pois, enquanto ela durar, não haverá bem ou mal que Ele lhe possa fazer que o afetem. Porque o pior mal, do qual pensa não ser possível recuperar, já Ele lhe fez. E depois desse desgosto terrível, o seu coração é incapaz de sentir qualquer prazer.
O desalento e mesmo a descrença numa justiça divina, estão, pois, no centro desta interessante composição, cujas características a tornam dificilmente integrável num dos três géneros canónicos da lírica galego-portuguesa. Se aceitarmos que o seu registo a aproxima mais do sirventês moral, deveremos ter em conta que não é o mundo ou as relações sociais que estão aqui em causa, mas a relação individual do homem com Deus. Sendo o desgosto recebido o motivo próximo para o pessimismo do trovador, a relação com a cantiga anterior, onde se chora a morte da mulher amada, parece evidente, razão pela qual também não estamos completamente afastados do universo da cantiga de amor.
Seja como for, as quatro composições não satíricas do Conde D. Pedro parecem estar em sequência cronológica (na cantiga seguinte, aliás, o trovador faz, na 1ª finda, uma referência explícita a esta "queixa" a Deus), e constituir, no seu conjunto, um original e inovador ciclo com nítidas características autobiográficas.



Nota geral


Descrição

Género incerto
Refrão
Cobras singulares
(Saber mais)


Fontes manuscritas

B 609, V 211

Cancioneiro da Biblioteca Nacional - B 609

Cancioneiro da Vaticana - V 211


Versões musicais

Originais

Desconhecidas

Contrafactum

Desconhecidas

Composição/Recriação moderna

Desconhecidas