Afonso X


Cirola vi [eu] andar-se queixando
de que lhi nom da[va]m sas quitações;
mais, des que [eu] oí bem sas razões
[e] ena conta foi mentes parando,
5log'atentei que nom dissera rem
[c]a era já quite de todo bem:
por en faz mal d'andar-s'assi queixando.
  
E queixa-se-m'el muitas de vegadas
dos escrivães e dos despenseiros
10[.....................................];
mais, pois vêem a[s] contas aficadas,
logo lhi mostram bem do que quit'é;
e pero digo-lh'eu que [o] mal é
de quen'o quitou muitas de vegadas.
  
15E por levá'la quitaçom dobrada
se [me] queixou; e catei u jazia
eno padrom, e achei que havia
de todo bem sa quitaçom levada;
por en faz mal, que nom pode peor;
20mais tant'há el de quitaçom sabor,
que a nega, pero x'a leva dobrada.



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Nota geral:

Nesta cantiga, uma personagem (Cirola, decerto uma alcunha) queixa-se de não ter sido pago. Mas o seu objetivo, segundo Afonso X, é o de ser pago a dobrar.
Na sequência da leitura de Rodrigues Lapa, todos os editores corrigiram a lição dos manuscritos no que toca ao nome da personagem, passando a ler Cítola. Tratar-se-ia, pois, de uma cantiga dirigida contra um jogral ganacioso e aldrabão. Mantendo esta mesma leitura, Vicenç Beltrán1 sugeriu que o que parecia ser uma jocosa e algo anódina "denúncia" do jogral Cítola se inseriria, de facto, no contexto de um dos conflitos políticos mais marcantes do reinado de Afonso X, a rebelião dos seus principais ricos-homens, ocorrida entre os anos 1271 e 1273, e que a crítica ao jogral seria, pois, um mero subterfúgio para a denúncia das queixas dos ricos-homens e do pouco fundamento das mesmas. Na verdade, os argumentos avançados pelos nobres rebeldes e a posição do monarca face a esses argumentos são, como comprovam os documentos referidos por Beltrán, absolutamente coincidentes com os que encontramos nesta cantiga. Cremos, pois, ser esta mais uma razão de peso para seguirmos Rios Milhám2 e mantermos o nome que consta nos manuscritos, decerto uma alcunha de um destes nobres (ou de alguém a eles ligado).

Referências

1 Beltran, Vicenç (2001), “El Rey Sábio y los nobles rebeldes”, in Atas do III Encontro Internacional de Estudos Medievais da ABREM, Rio de Janeiro, Ed. Ágora da Ilha, 33.
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2 Ríos Milhám, José, Lírica trovadoresca em língua portuguesa. Exercícios ecdóticos (3) .
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Nota geral


Descrição

Escárnio e Maldizer
Mestria
Cobras singulares
Dobre: (vv. 1 e 7 de cada estrofe)
andar-se (assi) queixando (I), muitas de vegadas (II), dobrada (III)
(Saber mais)


Fontes manuscritas

B 488, V 71

Cancioneiro da Biblioteca Nacional - B 488

Cancioneiro da Vaticana - V 71


Versões musicais

Originais

Desconhecidas

Contrafactum

Desconhecidas

Composição/Recriação moderna

Desconhecidas