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  (linha 22)

Paio Gomes Charinho


Que mui de grad'eu querria fazer      ←
ũa tal cantiga por mia senhor      ←
qual a devia fazer trobador      ←
que atal senhor fosse bem querer      ←
5qual eu bem quer'! E fazer non'a sei!      ←
E cuid'i muit', e empero nom hei,      ←
de fazê-la, qual merece, poder.      ←
  
Tam muit'havia mester de saber      ←
trobar mui bem quem por atal senhor      ←
10trobar quissess'! E a mi, pecador,      ←
nunca Deus quiso dar a entender      ←
 atal razom qual hoj'eu mester hei      ←
pera falar no que sempre cuidei:      ←
no seu bem e no seu bom parecer.      ←
  
15Mas como pod'achar bõa razom      ←
home coitado que perdeu o sem      ←
com'eu perdi? E quando falo, rem      ←
já nom sei que me digo nem que nom!      ←
E com gram mal nom pod'home trobar;      ←
20e prazer nom hei senom em chorar,      ←
e chorando nunca farei bom som.      ←
  
E por aquesto bem vej'eu que nom      ←
posso fazer a cantiga tam bem,      ←
porque já sõo fora de meu sem,      ←
25chorando, cativ'!, e meu coraçom      ←
já nom sab'al fazer senom cuidar      ←
em mia senhor; e, se quero cantar,      ←
 choro, ca ela me nembra entom.      ←



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Nota geral:

Embora o deseje muito, o trovador lamenta não saber fazer uma cantiga digna da sua senhora. Para tal seria necessária uma alta sabedoria na arte de trovar. E ele, por mais que pense, não consegue encontrar uma razom (um motivo central) capaz de dar conta da sua beleza e qualidades. De qualquer forma, pergunta, como poderia encontrá-la, se já perdeu a razão e nem sabe bem o que diz? Quem está sujeito a grande sofrimento não pode compor trovas - porque, se o seu único prazer é chorar, também sabe que, chorando, não consegue compor uma boa música. E assim nunca poderá fazer essa bela cantiga: pois, se quer cantar, chora (com a lembrança da sua senhora que logo lhe ocorre).
Como se compreende, a composição vive do paradoxo: uma bela canção que realiza, na prática, o que o trovador afirma ser impossível.



Nota geral


Descrição

Cantiga de Amor
Mestria
Cobras doblas
Palavra(s)-rima: imperf. (v. 2 de cada estrofe, em IV, 3):
senhor (I, II), sem (III, IV)
(Saber mais)


Fontes manuscritas

A 247

Cancioneiro da Ajuda - A 247


Versões musicais

Originais

Desconhecidas

Contrafactum

Desconhecidas

Composição/Recriação moderna

Desconhecidas