Cantiga com provérbio:
Não faças a outro o que não queres que te façam a ti
  (linha 27)

Pero Garcia Burgalês


Que muitos [os] que mi andam preguntando
qual est a dona que quero gram bem:
se é Joana, se Sancha, se quem,
se Maria. Mais eu tam coitad'ando,
5cuidando em ũa destas três que vi
polo meu mal, que sol nom lhes torn'i,
nem lhes falo, senom de quand'em quando.
  
E vou-me dontr'as gentes alongando,
por tal que me nom preguntem por en,
 10per bõa fé, ca nom por outra rem;
e vam-m'elas, a meu pesar, chamando
e preguntando-m', a pesar de mi,
qual est a dona que me faz assi
por si andar em gram coita 'm que ando.
  
 15E faço-m'eu delas maravilhado:
pois m'i nom ham conselho de põer,
por que morrem tam muito por saber
a dona por que eu ando coitado?
Nom lhes a digo por esta razom:
20ca por dizer-lha, si Deus me perdom,
nom m'i porram conselho, mal pecado!
  
Por en tod'home devia, acordado,
que sem houvesse, daquest'a seer:
de nunca ir tal pregunta fazer;
25ca per pouc'en seria castigado
- castigar-s'en, pelo seu coraçom:
qual pera si nom quisesse que nom
dissess'a outre nunca per seu grado!
  
E elas vam-me gram pesar dizer,
30no que lhes nunca prol nom há d'haver,
porque destorvam mim de meu cuidado.
  
Mailo que vai tal pregunta fazer,
Deu'lo leixe molher gram bem querer
e que ar seja d'outrem preguntado!



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Nota geral:

Esta composição é a última de uma série de quatro cantigas onde o trovador faz um jogo com a identidade da senhora amada, a partir de três nomes femininos (Joana, Sancha e Maria). Aqui o tormento do trovador tem a ver com as insistentes perguntas que todos lhe fazem, querendo saber qual delas é, de facto, a sua senhora, perguntas a que ele não responde, tão ocupado está a pensar nela. Para os evitar, vai-se afastando, mas sem sucesso, já que o chamam e insistem. Atitude que o deixa surpreendido: na verdade, se não podem resolver o seu caso, por que motivo quererão saber? Na última estrofe, ele generaliza: nenhum homem razoável deveria fazer tais perguntas, o que seria uma atitude fácil de seguir se essa pessoa tivesse em conta o provérbio "não faças aos outros o que não queres que te façam a ti". Mas, na primeira finda, ele reafirma que não é isso o que se passa: não param de lhe fazer perguntas, assim o perturbando nos seus pensamentos. E termina, na segunda finda, exprimindo o desejo de que aquele que pergunta se veja na sua mesma situação.
Sendo certo que as quatro composições partem claramente do modelo da cantiga de amor, desenvolvendo um dos seus elementos mais típicos, o segredo quanto à identidade da amada, também é certo que o sentido destas referências muito concretas aos nomes das três donzelas parece ser inegavelmente jocoso, razão pela qual teremos de considerar o seu género incerto.



Nota geral


Descrição

Género incerto
Mestria
Cobras doblas
Finda (2)
(Saber mais)


Fontes manuscritas

A 106, B 214/215

Cancioneiro da Ajuda - A 106

Cancioneiro da Biblioteca Nacional - B 214/215


Versões musicais

Originais

Desconhecidas

Contrafactum

Desconhecidas

Composição/Recriação moderna

Desconhecidas