Anónimo - cantigas espúrias


Senhora:

Pero muito amo, muito nom desejo
haver da que amo e quero gram bem,
porque eu conheço mui certo e vejo
que de haver muito a mim nom me vem
5atam grande folgança que maior nom seja
o seu dano dela; quem tal bem deseja
o bem de sa dama em mui pouco tem.
  
Mais o que nom é e seer poderia
- se fosse assi que a ela viesse
10bem do meu bem - eu desejaria
haver o maior que haver podesse:
 ca, pois a nós ambos i viinha proveito,
tal bem desejando, faria dereito,
e sandeu seria quem o nom fezesse.
  
15E quem doutra guisa tal bem [desejar]
nom é namorado mais é [um burl]om
que sempre trabalha por cedo cobrar,
 da que nom serviu, o moor galardom;
e de tal amor amo mais de cento,
20e nom amo ũa de que me contento
de seer servidor de bom coraçom.
  
Que pois me eu chamo e sou servidor,
gram treiçom seria se minha senhor
por meu bem houvesse mal ou sem-razom.
  
25E quantos bem amam assi o diram.



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Nota geral:

Composição tardia transcrita pelos apógrafos italianos no final das cantigas de amigo de D. Dinis, e que parece ter sido inserida em época posterior num espaço em branco do manuscrito que esses apógrafos seguiam (de resto, tal como a cantiga seguinte, de Afonso XI de Castela).
Embora até meados do século XX a composição tenha sido incluída na obra de D. Dinis, em 1967 Giuseppe Tavani1 apresentou argumentos sólidos no sentido de demonstrar o seu caráter espúrio e tardio, argumentos genericamente aceites por todos os editores posteriores. De facto, a forma estranha como aparece transcrita em B (e que levou Colocci a atribuir um número independente à primeira estrofe), juntamente com o não menos estranho vocativo Senhora que aí a precede, são, entre outros, elementos que parecem comprovar que as dificuldades de linguagem do próprio texto (de resto já repetidamente assinaladas pelos editores anteriores, como Nobiling, que formula mesmo dúvidas sobre a sua autoria2, ou como Lapa3, que, no entanto, a continua a atribuir a D. Dinis), essas dificuldades de linguagem, como dizíamos, parecem derivar exatamente do seu caráter tardio e da sua considerável distância em relação à obra do seu suposto autor, D. Dinis.
Acrescente-se que, nem por isso, a composição deixa de ser, não só a mais extensa e consistente, mas igualmente a mais interessante de todas as composições espúrias transcritas pelos apógrafos italianos. Acrescente-se ainda que, à sua maneira, ela não deixa de apresentar bastantes semelhanças temáticas com uma cantiga de amor de João Airas de Santiago.

Referências

1 Tavani, Giuseppe (1988), “Sobre a atribuição a D. Dinis e a Juião Bolseiro de duas canções tardias”, Ensaios Portugueses, Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, p. 317-349.

2 Nobiling, Oskar (2010), "Acerca da interpretação do Cancioneiro de D. Dinis" (1903), in As cantigas de D. Joan Garcia de Guilhade e estudos dispersos, ed. organizada por Yara Frateschi Vieira, Niterói, Editora da Universidade Federal Fluminense.

3 Lapa, Manuel Rodrigues (1982), "Uma cantiga de D. Dinis", in Miscelânea de Língua e Literatura Portuguesa Medieval (1ª ed., Rio de Janeiro, 1965), Coimbra, Coimbra Editora.



Nota geral


Descrição

Espúria
(Saber mais)


Fontes manuscritas

B 605/606, V 208

Cancioneiro da Biblioteca Nacional - B 605/606

Cancioneiro da Vaticana - V 208


Versões musicais

Originais

Desconhecidas

Contrafactum

Desconhecidas

Composição/Recriação moderna

Desconhecidas