Nota geral: Curiosa cantiga que nos faz um retrato (depreciativo) da gestão de uma grande cidade medieval pelos seus cidadãos, através da sátira a este Pero Bodinho, que, pelos vistos, iria suceder a Pedro Agudo no cargo de magistrado eleito pelo conselho dos homens-bons da cidade de Burgos. A cantiga joga conjuntamente com a dimensão social e pessoal do caso: em primeiro lugar, caricaturando a eleição municipal desses magistrados, feita pelo concelho dos burgueses da cidade; jurados esses que teriam um distintivo especial, um chapéu em forma de corno; daí a passagem à vida pessoal dos eleitos: ambos cornudos (em sentido literal e metafórico); e finalmente a cantiga fornece-nos o retrato do novo "cornudo": um homem que transformaria a sua fraqueza doméstica em pseudo-autoridade. De resto, os visados na composição não nos são desconhecidos, já que Pero Bodinho será certamente o jogral e cantor referido numa cantiga de Pedro Amigo de Sevilha, enquanto Pedro Agudo será o jogral igualmente referido numa outra cantiga do mesmo Pero da Ponte. Ao contrário do que é habitual, no entanto, não são as suas competências artísticas que estão aqui em causa, mas os cargos civis que desempenhavam. Neste sentido, tenha-se em atenção que os jograis eram, por vezes, pessoas de haveres, estando alguns deles documentados como vizinhos de certas cidades, como é o caso, exatamente, de Burgos. Acrescente-se ainda que a cantiga, visando explicitamente Pero Bodinho, parece apontar, na verdade, para um contexto mais lato, podendo relacionar-se com a política de Afonso X em relação às cidades, a qual ia no sentido de limitar os privilégios que tradicionalmente estas detinham, particularmente o de elegerem as suas autoridades locais, sem interferência real, política que encontrou fortes resistências, sobretudo nas mais antigas, muito renitentes à sua nomeação direta pelo rei, como passou exatamente a ser o caso do alcaide de Burgos, a partir de 1268, como indica González Jimenez1. Parece, pois, que este jocoso ataque de Pero da Ponte "aos cornudos de Burgos" estaria, mais uma vez, perfeitamente em linha com a política real. Note-se a forma cuidada da cantiga, com dobre no segundo e último verso de cada estrofe.
Referências 1 González Jiménez, Manuel (1999), Alfonso X, Burgos, Editorial La Olmeda, 2ª Ed., p. 325.
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