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  (linha 17)

Pero da Ponte


 Os de Burgos som coitados      ←
- que perderom Pedr'Agudo -      ←
 de quem porrám por cornudo;      ←
e disserom os jurados:      ←
5- Seja-o Pedro Bodinho,      ←
que est'é nosso vezinho      ←
tam bem come Pedr'Agudo.      ←
  
E pois que [é d']o concelho      ←
dos cornos apoderado,      ←
 10quem lhe sair de mandado      ←
fará-lh'el mao trebelho;      ←
 ca el, mentr'i for cornudo,      ←
querrá i seer temudo      ←
e da vil'apoderado.      ←
  
15E vedes em que gram brio      ←
 el - qui-lo Deus! - há chegado:      ←
por seer cornud'alçado      ←
em tamanho poderio,      ←
home de seu padre filho;      ←
20por tanto me maravilho      ←
d'a esto seer chegado.      ←
  
E creede que em justiça      ←
pod'i mais andá'la terra,      ←
ca se nom fará i guerra      ←
25nem mui maa cobiiça;      ←
ca el rogo nunca prende      ←
de cornudos, mais entende      ←
mui bem os foros da terra.      ←



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Nota geral:

Curiosa cantiga que nos faz um retrato (depreciativo) da gestão de uma grande cidade medieval pelos seus cidadãos, através da sátira a este Pero Bodinho, que, pelos vistos, iria suceder a Pedro Agudo no cargo de magistrado eleito pelo conselho dos homens-bons da cidade de Burgos. A cantiga joga conjuntamente com a dimensão social e pessoal do caso: em primeiro lugar, caricaturando a eleição municipal desses magistrados, feita pelo concelho dos burgueses da cidade; jurados esses que teriam um distintivo especial, um chapéu em forma de corno; daí a passagem à vida pessoal dos eleitos: ambos cornudos (em sentido literal e metafórico); e finalmente a cantiga fornece-nos o retrato do novo "cornudo": um homem que transformaria a sua fraqueza doméstica em pseudo-autoridade.
De resto, os visados na composição não nos são desconhecidos, já que Pero Bodinho será certamente o jogral e cantor referido numa cantiga de Pedro Amigo de Sevilha, enquanto Pedro Agudo será o jogral igualmente referido numa outra cantiga do mesmo Pero da Ponte. Ao contrário do que é habitual, no entanto, não são as suas competências artísticas que estão aqui em causa, mas os cargos civis que desempenhavam. Neste sentido, tenha-se em atenção que os jograis eram, por vezes, pessoas de haveres, estando alguns deles documentados como vizinhos de certas cidades, como é o caso, exatamente, de Burgos.
Acrescente-se ainda que a cantiga, visando explicitamente Pero Bodinho, parece apontar, na verdade, para um contexto mais lato, podendo relacionar-se com a política de Afonso X em relação às cidades, a qual ia no sentido de limitar os privilégios que tradicionalmente estas detinham, particularmente o de elegerem as suas autoridades locais, sem interferência real, política que encontrou fortes resistências, sobretudo nas mais antigas, muito renitentes à sua nomeação direta pelo rei, como passou exatamente a ser o caso do alcaide de Burgos, a partir de 1268, como indica González Jimenez1. Parece, pois, que este jocoso ataque de Pero da Ponte "aos cornudos de Burgos" estaria, mais uma vez, perfeitamente em linha com a política real.
Note-se a forma cuidada da cantiga, com dobre no segundo e último verso de cada estrofe.

Referências

1 González Jiménez, Manuel (1999), Alfonso X, Burgos, Editorial La Olmeda, 2ª Ed., p. 325.



Nota geral


Descrição

Cantiga de Escárnio e maldizer
Mestria
Cobras singulares
Dobre: (vv. 2 e 7 de cada estrofe)
Pedr'Agudo (I), apoderado (II), chegado (III), terra (IV)
(Saber mais)


Fontes manuscritas

B 1646, V 1180

Cancioneiro da Biblioteca Nacional - B 1646

Cancioneiro da Vaticana - V 1180


Versões musicais

Originais

Desconhecidas

Contrafactum

Desconhecidas

Composição/Recriação moderna

Desconhecidas