Nota geral: Nesta cantiga, que joga habilmente com as palavras, os sons e o ritmo, D. Dinis satiriza um cavaleiro, ao que se supõe dado à calúnia e à maledicência, que, estando doente, se vê obrigado a engolir uma erva amarga (a lorbaga) como laxante. Construída em forma de cerrado equívoco em torno da palavra praga, a cantiga abre para vários planos de leitura, alguns dos quais podem não ser imediatamente evidentes. Rodrigues Lapa1 põe como hipótese que ela se basearia num qualquer provérbio popular hoje perdido, que explicaria o refrão. Compreende-se, de qualquer forma, o sentido deste refrão: a doença (a praga) que o "comia" seria a paga das inúmeras imprecações (pragas) que teria dito. É possível, no entanto, que para além do equívoco com os dois sentidos deste termo, haja ainda um jogo com um terceiro sentido (praga=erva amarga) e com a forma verbal come-o (nos Cancioneiros, comeo), termo que tanto se poderá ler come-o, como comeu. Esta hipótese, que explicaria o que Lapa considera "algumas incongruências da cantiga" (nomeadamente as comparações com os animais que comem, como ele comeu o remédio amargo), levanta, infelizmente, o problema da nossa ignorância quanto aos aspectos da música e da apresentação oral das cantigas. Editamos, pois, o refrão de uma das estrofes com o verbo tal como surge no manuscrito (comeo). Note-se ainda que a cantiga joga com transformação do sentido permitida pelo encavalgamento nas mudanças de estrofe.
Referências 1 Lapa, Manuel Rodrigues (1970), Cantigas d´Escarnho e de Maldizer dos Cancioneiros Medievais Galego-Portugueses, 2ª Edição, Vigo, Editorial Galaxia.
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