Gil Peres Conde


Já eu nom hei por quem trobar
e já nom hei en coraçom,
porque nom hei já quem amar;
  por en mi míngua razom,
 5ca mi filhou Deus mia senhor;
 ah, que filh'o Demo maior
quantas cousas que suas som!
  
Como lh'outra vez já filhou
 a cadeira u siia
10o Filh'; e porque mi filhou
bõa senhor que havia?
E diz El que nom há molher;
se a nom há, pera que quer
pois tant'à bõa Maria?
  
15Deus nunca mi a mi nada deu
e tolhe-me bõa senhor:
por esto nom creo en'El eu
 nem me tenh'en por pecador,
ca me fez mia senhor perder;
20catade que mi foi fazer,
confiand'eu no seu amor!
  
Nunca se Deus mig'averrá
se mi nom der mia senhora;
mais como mi o corregerá?
25Destroia-m', ante ca morra.
Hom'é: tod'aqueste mal faz,
[como fez já o gram malvaz],
e[m] Sodoma e Gomorra.



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Nota geral:

Esta cantiga faz parte do curioso grupo de composições que, nos Cancioneiros, têm por alvo Deus e que, de forma mais ou menos jocosa, põem em causa alguns princípios de fé. Aqui, como noutros casos, o motivo é a perda da senhora amada, perda motivada pela sua entrada num convento (como se percebe pela cantiga seguinte). Como em qualquer outra cantiga de escárnio, Deus é aqui acusado de várias faltas, nomeadamente a de querer tudo para Ele e não dar nada em troca. O trovador finaliza com uma constatação curiosa: uma vez que Deus é homem, não pode deixar de agir como todos os homens. Sendo assim, como crer Nele? Não andarão longe os debates escolásticos da escola medieval.



Nota geral


Descrição

Cantiga de Escárnio e maldizer
Mestria
Cobras singulares
(Saber mais)


Fontes manuscritas

B 1527

Cancioneiro da Biblioteca Nacional - B 1527


Versões musicais

Originais

Desconhecidas

Contrafactum

Desconhecidas

Composição/Recriação moderna

Desconhecidas