Cantiga referida em nota


Fernão Garcia Esgaravunha


Esta ama, cuj'é Joam Coelho,
per bõas manhas que soub'aprender,
 cada u for, achará bom conselho:
ca sabe bem fiar e bem tecer
5e talha mui bem bragas e camisa;
e nunca vistes molher de sa guisa
 que mais límpia vida sábia fazer.
  
 Ante, hoj'é das molheres preçadas
 que nós sabemos em nosso logar,
10ca lava bem e faz bõas queijadas
e sabe bem moer e amassar
e sabe muito de bõa leiteira.
Esto nom dig'eu por bem que lhi queira,
mais porque est assi, a meu cuidar.
  
 15E seu marido, de crastar verrões
  nom lh'acham par, de Burgos a Carrion,
nem [a] ela de capar galiões
fremosament', assi Deus mi perdom.
 Tod'esto faz; e cata bem argueiro
20e escanta bem per olh'e per calheiro
e sabe muito bõa escantaçom.
  
Nom acharedes em toda Castela,
graças a Deus, de que mi agora praz,
melhor ventrulho nem melhor morcela
25do que a ama com sa mão faz;
e al faz bem, como diz seu marido:
faz bom souriç'e lava bem transido
e deita bem galinha choca assaz.



 ----- Aumentar letra ----- Diminuir letra

Nota geral:

Esta é a cantiga que Fernão Garcia Esgaravunha dirigiu a João Soares Coelho, parodiando a cantiga de amor Atal vej´eu aqui ama chamada, cantiga na qual o trovador elogiava a sua senhor como ama de meninos. Com esta paródia se inaugura, pois, a chamada "questão da ama", conhecida polémica em que participaram vários trovadores afonsinos.
Com irónico realismo, D. Fernão Garcia retoma, pois, nesta composição, o elogia da ama - mas gabando agora qualidades bem menos corteses e bem mais prosaicas, como saber talhar camisas ou fazer queijadas e chouriços.
A composição tem o interesse documental suplementar de poder eventualmente ajudar não só a localizar o ciclo (a partir das suas referências a Castela) mas também a datá-lo. Na verdade, se D. Fernão Garcia morreu, como supõe Resende de Oliveira1, por volta de 1251, este ciclo da "ama" teria de ser anterior. Veja-se, no entanto, a Nota Geral à cantiga de João Soares Coelho, onde o assunto é mais detalhadamente abordado.

Referências

1 Oliveira, António Resende de (1994), Depois do espectáculo trovadoresco. A estrutura dos cancioneiros peninsulares e as recolhas dos séculos XIII e XIV, Lisboa, Edições Colibri.



Nota geral


Descrição

Cantiga de Escárnio e maldizer
Mestria
Cobras singulares
(Saber mais)


Fontes manuscritas

B 1511

Cancioneiro da Biblioteca Nacional - B 1511


Versões musicais

Originais

Desconhecidas

Contrafactum

Desconhecidas

Composição/Recriação moderna

Desconhecidas