Nota geral: Cantiga de cariz nitidamente político, que se insere no contexto da guerra civil portuguesa de 1245-1247, e que é seguramente anterior à subida ao trono de D. Afonso III, aqui ainda designado Conde. O rei referido será, portanto, D. Sancho II. Pelos dados que nos fornece, a composição deve ter sido composta, pois, na Primavera de 1247, no momento em que D. Sancho II, quase derrotado, acompanha a hoste do príncipe D. Afonso (futuro Afonso X, vindo em seu auxílio) e se refugia em Castela, numa tentativa inglória de reunir forças contra seu irmão. O visado desta composição de Vuitorom é o mesmo D. Estêvão a quem os trovadores e jograis do círculo do infante D. Afonso de Castela endereçam uma série de cantigas, nas quais, entre alusões mais ou menos encobertas de cariz homossexual, referem o seu alegado mau caráter e também os seus problemas de visão. Jogando exatamente com um equívoco centrado no verbo ver, esta cantiga, cuja ironia não é totalmente clara, parece acusar sobretudo D. Estêvão de ambiguidade política e mesmo de oportunismo. Seja como for, alguns dos detalhes aparentemente menos claros da composição, nomeadamente a repetida alegação de que D. Estêvão "não verá prazer" enquanto D. Sancho estiver fora do reino e o Conde "tiver "Santarém" parecem apontar para um qualquer caso amoroso, envolvendo eventualmente alguma dama requestada também pelo Conde, muito dado a situações deste tipo. Já quanto à identidade concreta deste D. Estêvão, teremos certamente de rever a hipótese de se tratar de D. Estêvão Anes, o poderoso chanceler de Afonso III, identidade esta que, desde D. Carolina Michaelis, lhe tem sido tradicionalmente atribuída. E isto não só porque, à data provável da composição deste ciclo de cantigas, Estêvão Anes estava ainda longe do protagonismo que viria a alcançar posteriormente na corte do Bolonhês, sendo certamente apenas, como colaço e companheiro de infância, um dos mais fiéis partidários do Conde, como também porque tudo leva a crer que essa fidelidade não terá sofrido nunca qualquer quebra, como esta composição dá a entender em relação ao visado. É esta, de resto, a fundamentada opinião de Resende de Oliveira1, que, no entanto, não avança nenhuma identidade alternativa para este D. Estêvão, cujo apelido desconhecemos. Pela nossa parte, e embora não seja fácil, na verdade, identificar com segurança o D. Estêvão visado pelos trovadores e jograis afonsinos entre os numerosos homónimos que poderemos situar na época, adiantamos, em nota, algumas sugestões.
Referências 1 Oliveira, António Resende de (2006), “Distracções e Cultura", in Leontina Ventura, Afonso III, Lisboa, Círculo de Leitores, pp. 236-240.
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