Toponímia referida na cantiga:
  (linha 31)

Afonso Lopes de Baião

Rubrica:

Aqui se começa a gesta que fez Dom Afonso López a Dom Meendo e a seus vassalos, de maldizer.


   Sedia-xi Dom Belpelho em ũa sa maison      ←
que chamam Longos, [d]ond'eles todos som.      ←
Per porta lh'entra Martim de Farazom,      ←
 escud'a colo em que sev'um capom,      ←
5que foi já poleir'em outra sazom,      ←
caval'agudo, que semelha forom;      ←
em cima del um velho selegom,      ←
sem estrebeiras e com roto bardom;      ←
nem porta loriga nem porta lorigom,      ←
10nem geolheiras, quaes de ferro som,      ←
mais trax perponto roto sem algodom      ←
 e coberturas d'um velho zarelhom;      ←
lança de pinh'e de bragal o pendom,      ←
chapel de ferro, que xi lhi mui mal pom,      ←
15e sobarcad'um velh'espadarrom,      ←
  cuitel cacha[d]o, cinta sem farcilhom,      ←
 duas esporas destras, ca seestras nom som,      ←
 maça de fuste, que lhi pende do arçom.      ←
A Dom Belpelho moveu esta razom:      ←
20- Ai, meu senhor, assi Deus vos perdom,      ←
 u é Joam Aranha, o vosso companhom      ←
e voss'alférez, que vos tem o pendom?      ←
Se é aqui, saia desta maison,      ←
  ca já outros todos em Basto som.      ←
25       Eoi!      ←
  
Estas horas chega Joam de Froiam,      ←
  cavalo velho, caçurr'e alaxam,      ←
  sinaes porta eno arçom d'avam:      ←
 campo verde, u inqueire o cam,      ←
30e no escudo ataes lh'acharám;      ←
 ceram'e cint'e calças de Roam,      ←
sa catadura semelh'a d'um jaiam.      ←
Ante Dom Belpelho se vai aparelhan      ←
e diz: - Senhor, nom valredes um pam      ←
35se os que som em Basto se xi vos assi vam;      ←
mais id'a eles, ca xe vos nom iram:      ←
achá-los-edes [e] escarmentarám.      ←
 Vingad'a casa em que vos mejad'ham,      ←
que digam todos quantos pós vós verram      ←
40que tal conselho deu Joam de Froiam.      ←
       Eoi!      ←
  
 Esto per dito chegou Pero Ferreira,      ←
cavalo branco, vermelho na peteira,      ←
escud'a colo, que foi d'ũa masseira,      ←
45sa lança torta d'um ramo de cerdeira,      ←
 capelo de ferro, o anasal na trincheira      ←
e furad[o] em cima da moleira;      ←
traj'ũa osa e ũa geolheira,      ←
estrebeirando vai de mui gram maneira;      ←
50e achou Belpelho estando em ũa eira      ←
e diz: - Aqui estades, ai, velho de matreira!      ←
 Venha Pachacho e Dom Roi Cabreira      ←
pera dar[em] a mim a deanteira,      ←
ca já vos tarda essa gente da Beira,      ←
55o moordom'e o sobrinho de Cheira,      ←
 e Meem Sapo e Dom Martim de Meira      ←
e Lopo Gato, esse filho da freira,      ←
 que nom há antre nós melhor lança peideira.      ←
       Eoi!      ←



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Nota geral:

Uma das mais longas e mais célebres cantigas do cancioneiro satírico: em forma de paródia às canções de gesta francesas, D. Afonso Lopes de Baião ridiculariza a família dos Briteiros, cujo deão, Rui Gomes de Briteiros, passou de modesto infanção a homem chave da corte de D. Afonso III, que o elevou à categoria de rico-homem e o cobriu de honrarias, como prémio pela fidelidade demonstrada aquando da crise que conduziu à deposição de D. Sancho II. Recorde-se que a carreira de Rui Gomes (também trovador) começou com um atribulado casamento com uma donzela da família dos Sousa, precedido de um alegado rapto, episódio também presente no cancioneiro satírico, através de uma outra conhecida cantiga, essa de Martim Soares.
Segundo nos diz a rubrica que acompanha esta composição de D. Afonso Lopes de Baião, será ao seu filho D. Mendo de Briteiros que o trovador aqui se dirige. No entanto, Leontina Ventura e Resende de Oliveira1, apontando pertinentemente para a inadequação a um jovem da alcunha que a cantiga dá ao satirizado (D. Belpelho - a raposa, também chamado "raposa velha no v.51), colocam a hipótese de se tratar de um erro desta mesma rubrica, na qual, tardiamente, se teria confundido o nome do filho com o do pai, personagem cujo perfil parece, de facto, adequar-se bem melhor ao retrato que o trovador nos traça do satirizado. A ser assim, a composição deverá datar do período compreendido entre 1248 e 1250, ou seja, entre a subida ao trono de Afonso III e a data provável da morte de Rui Gomes.
Embora desconheçamos a natureza exata do conflito que terá servido de pretexto a esta gesta paródica (talvez um qualquer conflito em torno do Mosteiro de Refóios, de que os Briteiros eram defensores, como se depreende da cantiga), facilmente se percebe que aquilo que D. Afonso Lopes de Baião, um representante da velha nobreza, pretende caricaturar aqui é uma nobreza recente, cujo aspeto, gestos e atitudes, tanto dos chefes da linhagem como dos seus vassalos, trariam indubitavelmente as marcas da sua origem rural.
Note-se ainda que, formalmente, esta paródia às canções de gesta francesas conserva as suas leixas monorrimáticas, a exclamação épica (Eoi!) e mesmo numerosos galicismos.

Referências

1 Ventura, Leontina e Oliveira, António Resende de (2003), "Os Briteiros (séculos XII-XIV) 4. Produção Trovadoresca", in Os Reinos Ibéricos na Idade Média. Livro de Homenagem ao Professor Doutor Humberto Carlos Baquero Moreno, coord. Luís Adão da Fonseca et al, vol. II , Porto, Livraria Civilização, pp. 153-155.



Nota geral


Descrição

Gesta de maldizer
Cobras singulares, monorrimáticas
Finda
(Saber mais)


Fontes manuscritas

B 1470, V 1080
(C 1470)

Cancioneiro da Biblioteca Nacional - B 1470

Cancioneiro da Vaticana - V 1080


Versões musicais

Originais

Desconhecidas

Contrafactum

Desconhecidas

Composição/Recriação moderna

Desconhecidas