João de Gaia


Meus amigos, pois me Deus foi mostrar
a mia senhor, que quero mui gram bem,
trobei eu sempre polo seu amor
e meu trobar nunca me valeu rem
 5contra ela; mais vedes que farei:
pois me nom val trobar por mia senhor,
 oimais quer'eu já leixar o trobar.
  
E buscar outra razom, se poder,
por que possa esta dona servir;
10e veerei se me sequer fará
 algum bem [já], per que possa partir
mui grandes coitas do meu coraçom;
e sei que assi me conselhará
o meu amigo que me gram bem quer.
  
  15Ca doutra guisa nom poss'haver [i]
conselho já, per esta razom tal:
ca eu, amigos, da morte pret'estou,
se mi a esto Nostro Senhor nom val;
pero da mort'hei sabor, a la fé,
20ca, se morrer, diram que me matou
a melhor dona que eu nunca vi.



 ----- Aumentar letra ----- Diminuir letra

Nota geral:

Se o trovador, desde que conheceu a sua senhora, sempre trovou por ela e isso de nada lhe valeu, ele garante agora que vai deixar de trovar, e procurar outra razom para a servir. Sentindo-se perto da morte, se morrer sabe que morrerá pela melhor dona do mundo.
Se este poderá ser o resumo das palavras do trovador, de maneira nenhuma ele abarca os múltiplos sentidos desta curiosa cantiga, na qual cada estrofe termina com a citação textual dos incipits ou primeiros versos de três cantigas alheias: na primeira estrofe, uma cantiga de D. Dinis, na segunda, uma cantiga de amigo de João Vasques de Talaveira, e na terceira, uma cantiga de amor de Fernão Garcia Esgaravunha. Na verdade, um indício de que algo mais existe para lá da superfície das palavras, é, desde logo, a utilização ambígua do termo razom, um termo que, na poética trovadoresca, designa o modo como um tema é abordado numa cantiga. Se o trovador diz ir "buscar outra razom", efetivamente ele fá-lo através das referidas citações.
Não sabemos se, através deste jogo subtil, João de Gaia procurava um efeito paródico ou simplesmente lúdico junto dos seus ouvintes (necessariamente os mais conhecedores), sendo difícil termos qualquer certeza nesta matéria.



Nota geral


Descrição

Cantiga de Amor
Mestria
Cobras singulares
Palavra perduda: v. 5 de cada estrofe
(Saber mais)


Fontes manuscritas

B 1450, V 1060

Cancioneiro da Biblioteca Nacional - B 1450

Cancioneiro da Vaticana - V 1060


Versões musicais

Originais

Desconhecidas

Contrafactum

Desconhecidas

Composição/Recriação moderna

Desconhecidas