| | | Pero Garcia Burgalês |
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| | | D'ũa cousa sõo maravilhado |
| | | que nunca vi a outre contecer: |
| | | de Pedro Bõo, que era arriçado |
| | | e bem manceb'assaz pera viver, |
| 5 | | e foi doent'e nom se confessou, |
| | | deu-lh'o peer, e peeu, e ficou |
| | | seu haver todo mal desemparado. |
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| | | E pero havia um filho barvado |
| | | de barragãa, non'o viu colher: |
| 10 | | tanto o tev'o peer aficado, |
| | | que o nom pôde per rem receber |
| | | e rem de seu haver nom lhi leixou, |
| | | ca peeu ced', e o filho ficou, |
| | | pois que seu padre peeu, mal parado. |
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| 15 | | Pero, tanto que s'el sentiu coitado, |
| | | quando lhi deu a lança do peer, |
| | | log'el houve por seu filh'enviado, |
| | | ca lhi queria leixar seu haver |
| | | e sa herdad'; e o filho tardou, |
| 20 | | e peeu entramente, [e] ficou |
| | | seu filho mal, ca ficou exerdado. |
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Nota geral: Escárnio sobre a morte de um tal Pedro Bom, muito semelhante a um outro da autoria de Pero d´Ambroa. Independentemente da questão de as duas cantigas poderem ser complementares, ou de um dos autores ter filhado a razom ao outro (as alusões ao roubo de ideias são frequentes em cantigas e tenções), o facto é que ambas as composições assentam num jogo com o verbo peer, no duplo sentido de "peidar" e "esticar o pernil" (não sendo muito clara a forma como se chega a este último sentido, é possível que tenha origem no termo "pieira", o último suspiro). De qualquer forma, esta espécie de pranto de escárnio de Pero Garcia Burgalês centra-se, particularmente, na sorte de um filho ilegítimo do defunto, deserdado pela morte súbita do pai (o qual, como parece depreender-se, não teria tido grande pressa em legitimá-lo). Como acontece em muitos outros casos de sátira pessoalizada, não é impossível que esta composição se inserisse num contexto político concreto. De qualquer forma, não tendo sido ainda possível localizar este Pero Bom, pouco mais se poderá adiantar.
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