Nota geral: Sátira contra os maus cantares de um cavaleiro não identificado, que é também um interessante documento sobre a escola trovadoresca e os seus critérios de qualidade. De facto, Martim Soares não só diz mal dos cantares do cavaleiro, como os distingue claramente dos cantares dos trovadores, pelo público bem diferente a quem seriam dirigidos e junto do qual teriam grande sucesso: os vilãos e as suas famílias. Na ausência de dados mais concretos sobre este cavaleiro e os seus cantares, poderemos interrogar-nos: estará Martim Soares simplesmente a desenvolver, desta forma mais específica, o tema tradicional dos "maus cantares" de um qualquer colega trovador? (Carolina Michaelis, por exemplo, sugere1 que se poderia tratar de Sueiro Eanes, o cavaleiro repetidamente satirizado por esta geração de trovadores, e do qual nenhuma cantiga nos chegou). Ou estará antes a referir-se (e a condenar) um tipo particular de cantigas? Tratar-se-ia, neste caso, das chamadas "cantigas de vilãos", género a que a Arte de Trovar alude, mas que temos hoje dificuldade em definir? Seja como for, esta composição indica-nos que, tal como nos nossos dias, haveria já uma distinção entre o chamado grande público e o público cultivado, a quem os trovadores prioritariamente se dirigiam. Do repertório dos cantores de "grande público", no entanto, dificilmente poderemos ter hoje uma qualquer ideia. Note-se, por fim, que, formalmente, a cantiga apresenta características que parecem "mimar" ironicamente os maus cantares do cavaleiro visado, como duas palavras perdudas (versos 1 e 3 das estrofes, que não rimam) e uma espécie de falso dobre no final dos versos 2 e 7 de cada estrofe (trobadores - o único correto -, pagados /soldados, medores/ melhores)
Referências 1 Vasconcelos, Carolina Michaëlis de (1990), Cancioneiro da Ajuda, vol. II, Lisboa, Imprensa nacional - Casa da Moeda (reimpressão da edição de Halle, 1904), p. 322.
|