Nota geral: O pretexto para esta subtil cantiga é, aparentemente, uma disputa entre dois trovadores (de quem não nos chegaram cantigas), com Estêvão da Guarda a servir de árbitro: Rui Gonçalves tinha feito uma cantiga de maldizer a João Eanes, o qual, ofendido pela clareza das acusações, lha tinha criticado, o que por sua vez ofendera Rui Gonçalves. Dirigindo-se ao autor da cantiga inicial, Rui Gonçalves, Estêvão da Guarda parece colocar-se do lado do ofendido, João Eanes, e incita o "agressor" a fazer outra cantiga para se fazer perdoar. De facto, ele não só reforça as acusações (aludindo, equivocamente, a uma relação homessexual entre os dois), como pede a Rui Gonçalves para ser mais explícito. Note-se, no entanto, que a cantiga joga também com a expressão jurídica medieval "ver por olho", comprovar por experiência. E é também possível que jogue ainda com o facto de o gesto de dobrar o dedo médio ao dar a mão ser usado como um sinal entre homossexuais, como já referem alguns textos medievais1. Para além destas questões relativas ao entendimento do equívoco, note-se que a composição é igualmente um interessante documento sobre o modo como os trovadores entendiam os dois modos do trovar satírico, o escárnio (equívoco ou encoberto) e o maldizer (dizer mal "descubertamente", como refere a Arte de Trovar).
Referências 1 Ifrah, Georges (1997), História universal dos algarismos, vol. I, Rio de Janeiro, Editora Nova Fronteira, p. 116.
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