Antroponímia referida na cantiga:
  (linha 3)

Estêvão da Guarda


  Rui Gonçálviz, pero vos agravece      ←
porque vos travou em vosso cantar      ←
Joan'Eanes, vej'eu el queixar      ←
 de qual deosto lhi de vós recrece:      ←
5u lhi fostes trobar de mal dizer      ←
em tal guisa que bem pod'entender      ←
 quem quer o mal que a olho parece.      ←
  
Por en partid'este feito de cedo,      ←
 ca de maldizer nom tirades prol;      ←
 10e como s'en Joan'Eanes dol,      ←
já de vós perdeu vergonha e medo:      ←
ca entend'el que se dev'a sentir      ←
de mal dizer que a seu olho vir      ←
que pode log'acertar com seu dedo.      ←
  
 15Pois sodes entendud'e [bom ra]vista,      ←
sabed'agora catar tal razom      ←
per que venha este feit'a perdom;      ←
 e por parardes milhor a conquista      ←
  outorgad'ora, senhor, que nos praz:      ←
20se mal dizer no vosso cantar jaz      ←
que o poedes tod'à nossa vista.      ←



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Nota geral:

O pretexto para esta subtil cantiga é, aparentemente, uma disputa entre dois trovadores (de quem não nos chegaram cantigas), com Estêvão da Guarda a servir de árbitro: Rui Gonçalves tinha feito uma cantiga de maldizer a João Eanes, o qual, ofendido pela clareza das acusações, lha tinha criticado, o que por sua vez ofendera Rui Gonçalves. Dirigindo-se ao autor da cantiga inicial, Rui Gonçalves, Estêvão da Guarda parece colocar-se do lado do ofendido, João Eanes, e incita o "agressor" a fazer outra cantiga para se fazer perdoar. De facto, ele não só reforça as acusações (aludindo, equivocamente, a uma relação homessexual entre os dois), como pede a Rui Gonçalves para ser mais explícito.
Note-se, no entanto, que a cantiga joga também com a expressão jurídica medieval "ver por olho", comprovar por experiência. E é também possível que jogue ainda com o facto de o gesto de dobrar o dedo médio ao dar a mão ser usado como um sinal entre homossexuais, como já referem alguns textos medievais1.
Para além destas questões relativas ao entendimento do equívoco, note-se que a composição é igualmente um interessante documento sobre o modo como os trovadores entendiam os dois modos do trovar satírico, o escárnio (equívoco ou encoberto) e o maldizer (dizer mal "descubertamente", como refere a Arte de Trovar).

Referências

1 Ifrah, Georges (1997), História universal dos algarismos, vol. I, Rio de Janeiro, Editora Nova Fronteira, p. 116.



Nota geral


Descrição

Cantiga de Escárnio e maldizer
Mestria
Cobras singulares
(Saber mais)


Fontes manuscritas

B 1312, V 917

Cancioneiro da Biblioteca Nacional - B 1312

Cancioneiro da Vaticana - V 917


Versões musicais

Originais

Desconhecidas

Contrafactum

Desconhecidas

Composição/Recriação moderna

Desconhecidas