Juião Bolseiro


Sem meu amigo manh'eu senlheira,
e sol nom dormem estes olhos meus,
e, quant'eu posso, peç'a luz a Deus
e nom mi a dá, per nulha maneira,
5       mais, se masesse com meu amigo,
       a luz agora seria migo.
  
Quand'eu com meu amigo dormia,
a noite nom durava nulha rem,
e ora dur'a noit'e vai e vem,
10nom vem [a] luz nem parec'o dia,
       mais, se masesse com meu amigo,
       a luz agora seria migo.
  
E segundo com'a mi parece,
u migo mam meu lum'e meu senhor,
15vem log'a luz, de que nom hei sabor,
e ora vai noit'e vem e crece;
       mais, se masesse com meu amigo,
       a luz agora seria migo.
  
Pater Nostrus rez'eu mais de cento
20por Aquel que morreu na vera cruz,
que el mi mostre mui ced[o] a luz,
mais mostra-mi as noites d'Avento;
       mais, se masesse com meu amigo,
       a luz agora seria migo.



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Nota geral:

Sem o seu amigo, sozinha, a donzela não consegue dormir, e, por mais que reze para que chegue a manhã, a noite parece não ter fim; quando dorme com o seu amigo, no entanto, acontece exatamente o contrário: as noites passam num instante e é logo dia (infelizmente). Assim, tentando ocupar o tempo (e chamar o sono), como adianta na última estrofe, ela reza mais de cem Pai Nossos, sem resultado: sozinha, sem o seu amigo, todas as noites são noites de Inverno, longas e intermináveis.
A descrição de uma insónia de amor ou o modo como sentimos o tempo passar em diferentes circunstâncias estão no centro desta bela cantiga de Juião Bolseiro (que retoma o tema em duas outras cantigas, que formam, com esta, um pequeno ciclo). Note-se, de resto, que o último verso do refrão acrescenta uma força poética suplementar à cantiga, uma vez que, para além da leitura literal, ele permite uma outra leitura: o amigo ausente é a luz que ilumina a sua vida.
É de salientar ainda que, se a ausência do amigo é um dos motivos mais habituais nas cantigas de amigo, é muito rara a indicação explícita da consumação do amor, como acontece aqui (na referência às noites que ambos passaram juntos).



Nota geral


Descrição

Cantiga de Amigo
Refrão
Cobras singulares
(Saber mais)


Fontes manuscritas

B 1165, V 771
(C 1165)

Cancioneiro da Biblioteca Nacional - B 1165

Cancioneiro da Vaticana - V 771


Versões musicais

Originais

Desconhecidas

Contrafactum

Desconhecidas

Composição/Recriação moderna

Sen meu amigo      versão audio disponível

Versão de Shira Kammen, Ensemble Alcatraz