Pedro Amigo de Sevilha


Quand'eu um dia fui em Compostela
em romaria, vi ũa pastor
que, pois fui nado, nunca vi tam bela,
nem vi outra que falasse milhor;
5e demandei-lhe logo seu amor
e fiz por ela esta pastorela.
  
[E] dix'eu logo: - Fremosa poncela,
queredes vós mim por entendedor?
 Que vos darei boas toucas d'Estela,
10e boas cintas de Rocamador,
 e doutras doas a vosso sabor
e fremoso pano pera gonela.
  
E ela disse: - Eu nom vos queria
por entendedor, ca nunca vos vi
15senom agora, nem vos filharia
doas que sei que nom som pera mim;
pero cuid'eu, se as filhass'assi,
que tal há no mundo a que pesaria.
  
E se veess'outra, que lhi diria,
20se me dizesse ca "per vós perdi
meu amig'e doas que me tragia?"
Eu nom sei rem que lhi dissess'ali;
se nom foss'esto, de que me tem'i,
nom vos dig'ora que o nom faria.
  
25Dix'eu: - Pastor, sodes bem razoada;
e pero creede, se vos nom pesar,
 que nom est hoj'outra no mundo nada,
se vós nom sodes, que eu sábia amar;
e por aquesto vos venho rogar
30que eu seja voss'home esta vegada.
  
E diss'ela, come bem ensinada:
- Por entendedor vos quero filhar;
e pois for a romaria acabada,
 aqui, d'u sõo natural, do Sar,
35cuido [eu], se me queredes levar,
 ir-m'-ei vosc'e fico vossa pagada.



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Nota geral:

De todas as pastorelas que nos chegaram (que não são muitas), esta é aquela que segue mais de perto o modelo provençal, no qual o cavaleiro/ trovador requisita de amor uma pastora em termos de explícitos favores sexuais. Mas a adaptação não deixa de ser também claramente ibérica, desde logo pela referência ao espaço e ao momento em que se passa a cena: durante uma romaria que Pedro Amigo fez a Santiago de Compostela.
Como habitualmente, a composição inicia-se por um preâmbulo narrativo/ descritivo, desenvolvendo-se a partir daí em diálogo.
Encontrando, pois, no Caminho de Santiago, a mais bela das pastoras, o trovador pede-lhe o seu amor (pergunta-lhe se ela o quer por amante), dispondo-se a oferecer-lhe em troca uma série de presentes: toucas e cintos de bom tecido, pano para um corpete e ainda qualquer outra coisa que ela quiser.
Na sua primeira resposta (que ocupa duas estrofes, III e IV) ela, começando por fazer-lhe notar a sua abordagem algo abrupta (já que nunca o tinha visto), diz-lhe que não poderia aceitar prendas que serão decerto para outra, imaginando mesmo a reação de pesar dessa outra, perante a qual ela ficaria sem resposta.
A isto o trovador responde que ela argumenta bem (na verdade, como ele dá a entender e nós compreendemos, a fala da moça destina-se principalmente a avaliar se ele tem outra); mas que não tem mais ninguém, só ela, que ele deseja e a quem pede para permitir que ele "seja seu homem daquela vez".
Entendendo bem a ambiguidade da expressão (naquele momento/ só por uma vez) a moça, arguta, diz-lhe então que aceita, mas estando certa de que, depois da romaria acabada, ele a levará com ele dali, ficando-lhe ela muito agradecida (ou seja, aludindo a uma relação não esporádica mas duradoura).



Nota geral


Descrição

Pastorela
Mestria
Cobras doblas
(Saber mais)


Fontes manuscritas

B 1098, V 689

Cancioneiro da Biblioteca Nacional - B 1098

Cancioneiro da Vaticana - V 689


Versões musicais

Originais

Desconhecidas

Contrafactum

Quand'eu fuy en Compostela      versão audio disponível

Versão de Carlos Villanueva, In Itinere: Grupo Universitário de Câmara de Compostela

Composição/Recriação moderna

Desconhecidas