Nota geral: A forma do descordo, de origem provençal, tem nesta composição o mais perfeito exemplo na lírica galego-portuguesa (onde, aliás, é rara.) Trata-se de uma forma que, na irregularidade métrica e estrófica (no desacordo de medidas), procura de certa forma condensar a imagem do desacordo interior do poeta. Como se compreende, esta irregularidade, se exige do poeta um assinalável grau de perícia, é também um factor que dificulta a leitura, no caso, sobretudo a das estrofes finais, cujo sentido nem sempre é claro. Tenha-se, pois, em conta este factor, no breve resumo que se segue. O trovador despede-se da terra onde se encontra e das suas gentes, porque, ganhando coragem, quer afastar-se de um lugar onde muito sofreu. Agradece, pois, a Deus o facto de se ir embora, garantindo que ninguém o verá chorar ou ir triste, e ninguém o poderá criticar por fugir de tão funesto lugar. Mas sabe que sentirá saudades daquelas terras, pelo bem que nelas viu (pressupõe-se, uma amada) e sempre as recordará por isso mesmo - e só por isso mesmo. Porque, como acrescenta, o gosto que até podia ter pelas gentes e pela própria terra se devia apenas a isso. Mas, dispondo-se a partir, não o lamenta. Porque só ele sabe quanto ali sofreu secretamente, e como nelas gastou inutilmente os seus dias. E pensará o quanto aguardou por um bem que nunca conseguiu obter. Forçando-se, tentará arranjar uma solução nova para a sua vida e um lugar diferente, tendo esperança que o bom senso de alguém, ou um pouco de bem que nele ainda exista, lhe valha. E espera ainda poder voltar a ter um pouco de prazer na vida. Se é este o resumo possível, note-se que a composição comporta zonas de ambiguidade manifesta, não ficando, pois, inteiramente claro se estamos perante uma cantiga de amor ou um sirventês moral. Na verdade, o mal ou o bem que o trovador diz ter conhecido naquelas terras nunca chega a ser explicitado. Poderemos pressupor, como antes dizemos, que o termo bem terá aqui o valor habitual nas cantigas de amor (uma senhora amada), e que será a frustração amorosa aquilo que o motiva a partir. Mas é igualmente possível (até porque a figura da senhora nunca é, de facto, referida) uma leitura centrada na visão crítica das terras e nas gentes, bem mais próxima do sirventês moral. As duas leituras, de resto, não são incompatíveis, uma vez que é também nesta ambiguidade, decerto voluntária, que reside uma parte significativa da originalidade e da força poética da cantiga. Formalmente muito trabalhada, note-se ainda que a composição se desenvolve em três grupos de estrofes, de estruturas métricas e estróficas diferentes, e uma finda. E que os quatro versos iniciais desta finda (bissilábicos) retomam sucessivamente as rimas dos versos curtos das quatro estrofes anteriores.
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